segunda-feira, 21 de abril de 2025

Os Que Se Desfizeram - Capítulo Final — Aqueles Que Deixaram de Ser

    Há um rumor antigo, entre as pedras mais quietas da floresta. Dizem que, se alguém escuta com o corpo inteiro, pode ouvir as vozes dos que deixaram o nome para trás. 
 
    Não como palavras. Mas como temperatura. Como movimento no ar. 
 
    Mirra voltou à clareira. Não uma, mas muitas vezes. Cada vez, trazia algo: um nome novo, uma folha marcada, um pedaço de si. 
 
    Nunca teve certeza se Elias — ou o que restou dele — a reconhecia. Mas a cada visita, as árvores ao redor se inclinavam. O chão ficava mais quente. 
 
    Um dia, ela não voltou mais. E não foi porque esqueceu. 
 
    Foi porque se tornou também parte do caminho. 
 
    Outros vieram depois. Desfeitos. Quase desfeitos. Liminares. 
 
    E encontraram a clareira. Sentaram no chão. Ouviram o que não se dizia. 
 
    E entenderam: o Desfeito não é um fim. É uma nova gramática da existência. Um jeito de continuar sem forma fixa. 
 
    A floresta cresceu. Tomou cidades pequenas. Escondeu postes. Apagou placas. 
 
    Mas não era destruição. Era… outra coisa. Era o mundo finalmente lembrando que também podia mudar. 
 
    E um dia, alguém — uma criança, talvez — perguntou para a mãe o que havia ali, naquela clareira onde o tempo parecia respirar diferente. 
 
    A mãe olhou. E, sem saber por que, sorriu com os olhos úmidos. 
 
    “Ali moram os que tiveram coragem de deixar de ser.” 
 
    A criança ficou em silêncio. Depois escreveu um nome no chão com o dedo. 
 
    Não era um nome conhecido. Mas soava certo. 
 
    E do solo, algo se moveu. 
 
FIM 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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