segunda-feira, 21 de abril de 2025

Os Que Se Desfizeram - Capítulo 9 — A Que Sabe o Nome das Ausências

    Ela se chama Mirra. Ou foi assim que se apresentou quando chegou à floresta. Os outros não perguntaram se era nome ou metáfora. 
 
    Mirra é magra como um lamento. Fala pouco. Mas quando fala, as palavras caem como sementes: ficam em silêncio por um tempo, e depois, brotam onde menos se espera. 
 
    Ela tem um caderno feito de pele. Nele, escreve nomes. Não os que ouve — mas os que sente que existiram. 
 
    Diz que é uma cartógrafa do que já não é. Que cada nome esquecido é uma raiz perdida, e que seu papel é tentar desenhar o mapa do que a floresta apagou. 
 
    Nos últimos dias, um nome começou a sussurrar dentro dela. Não completo. Não claro. Mas constante. 
 
    El… 
    El… 
    ias. 
 
    Toda vez que ela tenta escrevê-lo, a tinta sangra no papel. E o nome se dissolve. 
 
    Mas a sensação permanece. 
 
    Um calor no centro do peito. Uma ausência específica, com peso e cheiro. 
 
    Mirra caminha pela floresta como quem busca um túmulo sem saber onde foi enterrado. Sente rastros. Toques. Ecos de passos. 
 
    Até que chega a uma clareira. 
 
    No centro, há um corpo. Ou algo como um corpo. Parece árvore. Mas pulsa. Parece terra. Mas respira. 
 
    Ela se ajoelha. Encosta a testa no solo. 
 
    E então sente: o nome que tenta escrever é esse corpo agora. 
 
    Ele se foi. Mas está. 
 
    Ela chora. Mas sem desespero. 
 
    Chora como quem reconhece uma constelação esquecida. 
 
    Então, pela primeira vez, rasga uma página do caderno. E deixa-a ali. Como oferenda. Ou promessa. 
 
    “Se um dia lembrar de mim,” 
     “me chama.” 
 
    E parte. 
 
    Sem olhar para trás. Porque agora ela carrega um novo nome. E um novo mapa começa a se desenhar dentro dela. 
 
(Continua...) 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

Nenhum comentário:

Postar um comentário