segunda-feira, 15 de novembro de 2021

2073 (O Imortal?)

    Dalibor. Foi o nome que o rapaz disse se chamar. Tinha um olhar misterioso e fazia longas pausas enquanto tentava explicar alguma coisa para o grupo de pessoas a sua volta. Podia se ver, nas suas pausas, as estrelas que enfeitavam o céu. A noite houvera chegado e com ela a fumaça que os impedia de ver com mais clareza, havia se dissipado. No alto da torre tinha uma espécie de parapeito que deu sustentação aos jovens ali presente. Nos olhos de cada um deles havia um misto de incredulidade em tudo que ouviam. 
    - O que sei é pouca coisa sobre o mundo de vocês – disse Dalibor olhando para cada um daqueles expectadores atentos a sua palavra – meu pai me contou como era antes de morrer. 
    - E quando ele morreu? – Indagou Duda que era sempre a mais curiosa. 
    - Faz muito tempo – limitou-se a responder e fez mais uma de suas longas e angustiantes pausas. 
    Podiam ainda sentir o cheiro daquelas frutas que Dalibor havia trazido para eles. Dissera que era a única coisa nesse dia que podia oferecer a eles uma vez que fazia dias que não saia para caçar. 
    - Voltamos a idade da pedra? – Havia indagado Luara no momento em que Dalibor estendia uma espécie de cesto no chão da torre e apresentava o que tinham para jantar naquela noite: mangas, maçãs e bananas. 
    - Não sei o que isso quer dizer – Respondeu o jovem enquanto olhava para a garota ruiva. 
    O Professor fez uma cara de surpresa. Como aquele jovem não sabia o que era a Idade da Pedra? No entanto, limitou-se a permanecer calado. Observava atentamente tudo que acontecia a sua volta. Era uma situação diferente e precisava colocar os pensamentos em ordem. Havia conversado bastante com a sua colega de trabalho, Soraia, sobre cuidar do emocional de seus alunos. 
    - Eu tinha por volta de dez anos quando meu pai morreu – disse Dalibor enfim – foi atacado por uma Onça garras de águia e não resistiu... 
    - Onça garras de quê? – Indagou Giovana e foi acompanhada por todos em sua expressão de surpresa. 
    - Onça garras de águia – Respondeu Dalibor – nunca ouviram falar? 
    - Não – Respondeu o Professor – Nunca ouvimos falar que existisse uma onça com garras de águias. A não ser na mitologia. 
    - Não sei o que é mitologia – Disse Dalibor – mas as Onças garras de águias são perigosas e traiçoeiras. Tem que tomar cuidado com elas. São enormes e extremamente ágeis. Um descuido e você já era. Meu pai tentava se esconder de uma delas quando saiu para caçar e, na fuga, ficou preso em um cipó. Quando os companheiros dele chegou no local meu pai já tinha sido estraçalhado por ela. 
    - Nossa! – Foi a exclamação quase que uníssona. 
    - Estou com medo agora – disse Júlia. 
    - Todos estamos! – Falou o professor – Mas o medo é bom porque nos ajuda a ficarmos alertas. 
    - Até aqui ele tem que filosofar...- cochichou Duda no ouvido de Pedro. 
    - Eu ouvi – disse o Professor olhando para ela. 
    - O que mais tem de perigoso aqui? – Indagou Carol. 
    - Muitas coisas... – Dalibor olhou para cada um deles – muitas coisas. 
    Enquanto Dalibor fazia mais uma de suas pausas angustiantes para todos que estavam curiosos por não saberem ao certo onde estavam, o Professor observou a lua esplendorosa que iluminava o céu. Com certeza, agora podia ver o brilho das estrelas e a lua magnífica que iluminava tudo a volta deles. Sentado em uma espécie de latão, Dalibor estava de frente para eles. Ao lado do professor estava Luara, Carol, Ícaro e Soraia a sua esquerda; Duda, Pedro, Giovana e Júlia a sua direita. 
    - Tem 60 anos que meu pai morreu – Disse Dalibor enfim e pode ver a expressão de mais surpresa nos rostos de seus interlocutores. 
    - 60 anos? – Indagou Ícaro – quer dizer que você tem 70 anos? 
    Pela primeira vez puderam ver um leve sorriso no rosto do jovem. - Sim – limitou-se a responder. 
    - Você é imortal? – Brincou Giovana. 
    - Não sei dizer ao certo – falou Dalibor – eu só sei que sou o único sobrevivente nascido logo após a catástrofe, pelo menos até onde sei, é claro. Poucos sobreviventes tiveram filhos após os acontecimentos. Meu pai me protegeu durante os primeiros anos até morrer. Depois eu me virei sozinho. Mas, quando tinha 20 anos eu não mais mudei. Sinto-me como se tivesse 20 anos desde então. Não me perguntem porque não sei explicar como isso é possível. Conheço alguma coisa sobre esse mundo e sei que existiu uma vida diferente antes da catástrofe. Meu pai era um dos habitantes que sobreviveu e me contou algumas coisas. Vou ajudá-los na sua busca por respostas, mas não sei se posso fazer muita coisa a não ser indicar lugares que vocês devam ir para encontrar o que precisam para voltar no tempo em que vieram. Quem sabe vocês descobrem coisas sobre mim também e porque não envelheço. 
    - Caraca! – Exclamou Carol – Parece que estamos em um filme de ficção científica! 
    - Que bom que lembrou de nossas aulas de Análises Historiográficas – Disse o Professor olhando para Carol. 
    Dalibor olhou para eles. Pegou um alforge que estava perto dele e tirou um pequeno bastão de dentro. Ao colocar o bastão na mão ele tornou-se um grande arco e ao acionar a outra mão apareceu uma flecha. 
    - Merda! – Exclamou Ícaro – Vi isso em um desenho animado uma vez! 
   - Caverna do Dragão – Disse o Professor – Era um dos meus desenhos favoritos quando criança. 
    - Não sei o que é isso que vocês estão falando – Falou Dalibor – mas essa é minha arma. Ganhei de Bjorn, o velho. Não posso usá-la para o mal, somente se for para proteção da minha vida ou de alguém que eu ame. Ao me dar o arco ele me fez várias recomendações e me revelou alguns segredos deste mundo que, infelizmente, não posso revelar a vocês. 
    - Quem é Bjorn? – Indagou Soraia. 
    - Ele é uma espécie de vidente, mago, feiticeiro, profeta, sei lá – Disse Dalibor – Ele é muito estranho. Aparece do nada e diz coisa com coisa. Sempre um enigma para desvendar. 
    - Parece muito com o Mestre dos Magos de Caverna do Dragão – Disse o Professor – Só falta ser baixinho e usar um manto vermelho... 
    - Não! – Disse Dalibor – É um velho bem alto e magro, de longas barbas brancas, usa um manto, mas é azul escuro e uma vara nas mãos. Há, e um detalhe, só tem um olho. 
    - Deus me livre! – Disse Duda fazendo o sinal da cruz. 
    - Ele pode ajudar vocês – Complementou Dalibor. 
    - Como vamos encontrar ele? – Indagou o Professor. 
    - Creio que não será fácil – disse Dalibor – é impossível encontrar ele a não ser que ele queria encontrar vocês. Mas, como eu ia dizendo, só vou poder orientá-los por onde seguir em busca de respostas para suas indagações. Esse mundo é perigoso. Muito perigoso. Não é mais o mundo em que vocês viveram. Meu pai disse que o mundo que vocês conheceram e que provavelmente vieram acabou no ano de 2073. 
    Era possível ver o assombro nos rostos de todos! 

(Continua...) 
* Da mente de Odair José da Silva

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

2073 - (Prólogo)

    Ergueu os olhos ainda meio ofuscados pela fumaça. Do alto da árvore avistou algumas silhuetas que parecia ser a cidade. Não via mais a ponte e nem como chegar a sua casa. Tudo parecia estar em ruínas. Parecia que tinha passado um furacão e destruído tudo. Mas isso não teria acontecido agora. Pelo que via essas ruínas estavam aqui a milhares de anos. Como isso seria possível? 
    - É professor - disse ao descer da árvore - parece que estamos em um outro lugar e não na nossa cidade. Eu não estou entendendo mais nada. 
    O professor, um jovem senhor nos seus 40 anos, olhou para a colega de trabalho, uma professora mais jovem, 35 anos, mais ou menos, os dois alunos e as cinco alunas, ambos na faixa etária dos seus 15 anos, que haviam saído da caverna. 
    - Se acreditasse em viagem no tempo eu diria que estamos vivendo uma. 
    - Como vamos atravessar o rio? - Indagou uma das garotas. 
    - Pelo jeito vamos ter que nadar. 
    O professor olhou para o céu. O sol estava a pino e um pouco ofuscado pela fumaça. Não conseguia ver de onde vinha aquela fumaça. Não parecia haver algum fogo por perto. A vegetação estava bem verde, por sinal. 
    - Pedro! - O professor chamou um dos alunos. 
    - Sim, professor. 
    - Me ajude com aquelas toras de madeiras ali - apontou para umas árvores caídas às margens do rio - Vamos fazer uma espécie de jangada para atravessarmos. 
    - Ícaro! - O professor chamou o outro aluno. 
    - Sim, professor. - Você vem nos ajudar com as toras. 
    - Professora Soraia! - O professor olhou para a sua colega de profissão. 
    - Diga professor. 
    - Você e as meninas vão pegar cipós para amarrarmos a jangada. 
    - Está bem. 
    Mais ou menos duas horas depois já haviam construídos duas jangadas. 
    - Como vamos atravessar sobre isso ai? - Indagou uma das meninas demonstrando um certo receio. 
    - Subindo encima dela e remando até a outra margem, Júlia! - Disse o professor. 
    - Eu não sei nadar, tenho medo! - Disse outra garota. 
    O professor parou o que estava fazendo no momento e olhou para as meninas. Ambas estavam suadas e com medo. Era possível ver nos olhos delas. 
    - Luara! - Disse o professor para a jovem - Eu sei que todas estão com receio, com medo. Eu também estou. Não sei o que aconteceu. Mas, não podemos ficar aqui. Temos que chegar até a cidade para saber o que aconteceu. 
    Notou uma lágrima no rosto da jovem. Olhou para as outras e disse: 
    - Carol, Duda, Giovana, Júlia e Luara, vocês foram incríveis lá nas cavernas. Me ajudaram bastante, assim como o Pedro e o Ícaro. Não sabemos ao certo o que aconteceu enquanto estávamos dentro das cavernas, mas aconteceu alguma coisa. Temos que descobrir o que é. A professora Soraia e eu vamos cuidar de vocês até os entregarmos aos cuidados de seus pais. Agora temos que atravessar esse rio. Tudo bem? 
    Elas concordaram com a cabeça. 
    - Tudo bem, professor - Disse Luara - me desculpe! 
    - Não tem que se desculpar de nada. Vamos em frente. Pedro, Luara, Júlia e Duda vem comigo nessa jangada - Disse e apontou para a jangada - A professora Soraia, Ícaro, Giovana e Carol vão na outra jangada. 
 
    As águas deslizavam suavemente. Parecia que o rio estava mais vivo. A sensação era de que nem parecia aquele velho rio Paraguai de dias atrás, seco e sem vida. O que teria acontecido? Essa pergunta martelava a cabeça de todos. Com muita força nos braços e incentivo aos alunos para que remassem na direção certa eles chegaram a outra margem do rio. 
    - Aqui é a Carne Seca? - Indagou a Professora Soraia. 
    - Sim! - Respondeu o professor - Ou pelo menos o que era a Carne Seca. 
    Havia um grande matagal no lugar que quase invadia toda a pequena praia. Viram algumas ruínas do que um dia fora uma casa. Não se lembrava de ter visto casas com aqueles materiais antes naquele lugar. 
    - Vamos com cuidado - Disse o professor - Não sabemos o que aconteceu por aqui. 
    Começou a caminhar em meio aos destroços e ruínas de antigas casas agora tomadas pelo mato. Alguns carros envoltos em cipós e vegetação. Era o mesmo que estar vendo um episódio de The Walking Dead. Só faltava os zumbis, pensou o professor que era fã da série. 
    - O que é aquilo? - Indagou Carol apontando para uma espécie de torre. 
    - Eu nunca vi aquilo aqui em Cáceres - Disse a professora Soraia. 
    - Eu também não - Confirmou o Professor - Parece ser uma torre. 
    - Podemos subir nela e ver melhor a cidade - Disse Ícaro. 
 
    Era uma visão aterradora aos olhos de todos. Não existia mais cidade. Ruínas cobertas de vegetação. Podia se ver de tudo. Onde ficava a Igreja Matriz, a Praça Barão, o Geraldão. Tudo em ruínas. 
    - O que está acontecendo! - Exclamou Duda com um olhar incrédulo com o que via diante de seus olhos. 
    - Não faço a mínima ideia - Respondeu Pedro. 
    Houve um momento de silêncio. Todos pareciam refletir sobre a situação. O que havia acontecido com o mundo que eles conheciam e viviam antes de entrarem na Caverna do Jabuti? 
    - Será que estamos sonhando? - Indagou a Professora Soraia. 
    - Ou talvez estejamos mortos! - Disse Pedro. 
    - É. - Disse Júlia - Talvez nós morremos no desabamento da caverna assim como os outros. 
    - A gente não sabe de nada disso - Ponderou o Professor - Só sabemos que não estamos em nosso mundo real. Só isso! 
    Houve mais um intervalo silencioso e por isso eles puderam ouvir. 
    - O que é esse barulho? - Indagou Giovana. 
    Olharam para a escada de onde eles haviam subido na torre. Era uma escada que dava voltas a torre como se fora uma serpente. 
    - Tem mais alguém aqui - Disse o professor e já olhou para o lado na busca de alguma coisa que pudesse usar como arma de defesa. 
    Encontrou uma barra de ferro e pegou-a rapidamente enquanto os passos se aproximavam deles. 
    - Fiquem atrás de mim! - Disse o Professor segurando firme a barra de ferro. 
    - Ai meu Deus! - Exclamou Luara. 
    Houve um minuto de silêncio quando os passos pararam. Podia ouvir o bater dos corações de cada um. O dia estava indo embora. O sol, ainda um tanto prejudicado pela fumaça tentava se esconder atrás da vastidão da floresta que se perdia ao longe. A visão de um majestoso rio cercado de uma floresta quase não foi percebido por causa da aflição que todos estavam sentindo naquele momento. 
    - Calma pessoal! 
    Um rapaz alto, forte e esbelto apareceu no último degrau da escada. Tinha um semblante alegre e simpático. 
    - Não tenham medo - Disse após dar o último passo - Eu sou de paz! 
 
Autor: Odair José, Poeta Cacerense
Obs (Trata-se de uma obra de ficção)