sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Noiva na Ponte Branca

    Era uma noite escura e silenciosa, onde a neblina pairava sobre a pequena vila erguida às margens do Rio Paraguai. Os moradores, acostumados com histórias assustadoras, sabiam que a Ponte Branca era um lugar onde os medos e as lendas se misturavam. Mas ninguém estava preparado para o que estava prestes a acontecer. 

    A Ponte Branca era uma estrutura antiga e majestosa, construída há séculos em estilo gótico, com arcos imponentes e detalhes intrincados esculpidos em pedra. O local era conhecido por suas histórias de aparições fantasmagóricas e assombrações inexplicáveis. Os moradores evitavam passar por ali durante a noite, com medo do que poderiam encontrar. 

    Naquela noite, um jovem chamado Ivan, fascinado por histórias de fantasmas e mistérios, decidiu desafiar o medo e visitar a Ponte Branca. Com uma lanterna em mãos e o coração acelerado, ele atravessou o campo nebuloso em direção à ponte. 

    Enquanto caminhava, o vento uivava, arrancando gemidos assustadores dos arcos de pedra. Ivan sentiu os pelos de sua nuca se arrepiarem e uma sensação de opressão no ar. O medo começou a tomar conta dele, mas sua curiosidade o impulsionou adiante. 

    Ao se aproximar da ponte, ele viu uma figura vaga emergindo da neblina. Uma noiva, envolta em um vestido branco desgastado, deu passos lentos e trôpegos em sua direção. Seu véu esvoaçava ao vento e seus olhos brilhavam com uma mistura de tristeza e desespero. 

    Ivan, paralisado pela visão, sabia que estava testemunhando algo sobrenatural. A noiva se aproximou dele e, com uma voz frágil, sussurrou: 

    - "Por favor, me ajude...". 

    O jovem sentiu uma onda de compaixão e coragem invadir seu ser. Ele estendeu a mão para a noiva, oferecendo sua ajuda. 

    A noiva levou Ivan até a margem do Rio Paraguai próximo à ponte e caminhou para as águas em seguida. O jovem notou que seus pés não afundavam nas águas. Ela revelou que há muito tempo, no dia de seu casamento, ela e seu amado noivo estavam atravessando a Ponte Branca quando sofreram um acidente fatal. Desde então, seu espírito permanecia preso ali, incapaz de encontrar a paz. 

    Determinado a ajudar a noiva a encontrar uma tranquilidade, Ivan pesquisou a história da vila e descobriu que um antigo ritual poderia libertar as almas aprisionadas. Ele reuniu um grupo de moradores tristes e, juntos, realizaram o ritual na Ponte Branca. 

    No momento em que o ritual foi cumprido, a noiva brilhou intensamente e desapareceu no ar. Uma sensação de alívio e paz encheu o local, como se o peso das assombrações tivesse sido levantado. A partir desse dia, a Ponte Branca se tornou apenas uma memória assombrada. Os moradores da antiga vila e agora cidade caminhavam por ela sem medo, sabendo que um ato de coragem e empatia havia libertado uma alma atormentada. 

    Ivan, o jovem destemido, nunca mais esqueceu a experiência. Ele sentiu que o mundo estava cheio de mistérios e que a imaginação e a compaixão podiam superar o medo. 

    Sua história seguiu sendo lembrada pela população da vila, até o dia em que máquinas destruíram a Ponte Branca para dar lugar a uma passagem mais moderna na visão dos gestores da cidade. Esquecem-se eles que, mesmo nas sombras mais assustadoras, sempre existe uma luz que pode dissipar o medo e trazer esperança. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 29 de junho de 2023

A proteção invisível do Minhocão

    Há muito tempo, na pacata cidade de Cáceres, existia uma lenda que encantava os moradores. Era a história do Minhocão, uma criatura lendária que vivia nas profundezas da terra. Diziam que ele era um gigante, com o corpo longo e serpentino, coberto de escamas reluzentes e olhos brilhantes como pedras preciosas. 
 
    Segundo a lenda, o Minhocão era responsável pela fertilidade da terra e pela abundância das colheitas. Acreditava-se que ele percorria os subterrâneos da região, deixando um rastro de fertilidade por onde passava. As pessoas atribuíam a ele o crescimento exuberante das plantações e a prosperidade da cidade. 
 
    Entretanto, o Minhocão era uma criatura tímida e reservada. Ele evitava a presença dos humanos e só emergia das profundezas em raras ocasiões. Aqueles que tiveram a sorte de avistá-lo descreviam uma sensação mágica, como se estivessem testemunhando a conexão entre o mundo terreno e o mundo subterrâneo. 
 
    Os moradores de Cáceres aprenderam a respeitar e preservar o habitat do Minhocão. Sabiam que sua existência era crucial para a prosperidade da cidade e, por isso, protegiam os locais onde ele se acreditava que ele habitava. Eles mantinham a lenda viva, transmitindo-a de geração em geração, e tratavam a terra com cuidado, valorizando a natureza e suas dádivas. 
 
    Assim, a lenda do Minhocão em Cáceres tornou-se um símbolo de união entre as pessoas e a natureza. Ela ensinava a importância de cuidar do meio ambiente e cultivar a harmonia com o mundo ao nosso redor. Mesmo que a criatura lendária fosse invisível para a maioria dos olhos, sua presença era sentida e reverenciada por todos. 
 
    E, assim, Cáceres floresceu sob a proteção invisível do Minhocão, provando que a sabedoria das lendas pode nos guiar para uma vida em equilíbrio com a natureza e com os mistérios que ainda nos cercam. 
 
    Hoje já não se fala mais sobre a lenda e a maioria das nossas crianças nem mesmo sabem que um dia o Minhocão existiu, mesmo que só na imaginação das pessoas. O tempo e as novas tecnologias apagam a memória de uma história tão fascinante. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

Laura e a pequena livraria

    Era uma vez uma garota chamada Laura, uma jovem sonhadora que se sentia perdida em meio às complexidades da vida. Ela parecia ter se distanciado de si mesma e das coisas que antes a faziam feliz. A alegria em seus olhos havia se apagado e a paixão em seu coração se tornara apenas um eco distante. 
 
    Certo dia, enquanto caminhava pelas ruas cinzentas da cidade, Laura encontrou uma pequena livraria escondida em uma rua lateral. Curiosa, ela decidiu entrar e explorar aquele mundo de páginas e palavras. O ar estava impregnado com o aroma dos livros antigos, e a atmosfera tranquila a envolveu instantaneamente. 
 
    Laura começou a folhear um livro aleatório e, de repente, sentiu algo mágico acontecer. As palavras ganharam vida, e ela se viu transportada para um lugar completamente diferente. Cada página virada a levava para uma nova aventura, uma nova história. 
 
    A partir desse momento, Laura encontrou refúgio na leitura. Ela mergulhava em mundos desconhecidos, explorava terras distantes e conhecia personagens fascinantes. Cada livro era uma nova oportunidade de se perder e, ao mesmo tempo, se encontrar novamente. 
 
    À medida que devorava histórias, Laura começou a se reconectar com sua própria imaginação e criatividade. Ela começou a escrever suas próprias histórias, dando vida a personagens inspirados pelas pessoas que encontrava em suas leituras. A escrita se tornou sua forma de expressão e a levou a lugares ainda mais profundos dentro de si mesma. 
 
    Através da leitura, Laura encontrou coragem para enfrentar seus medos e desafios pessoais. Ela se inspirou nos heróis e heroínas dos livros e encontrou força para superar suas próprias adversidades. A cada página virada, ela descobria um pouco mais sobre si mesma e sobre o poder transformador das palavras. 
 
    Com o tempo, Laura percebeu que não estava mais perdida. Ela havia encontrado um caminho para se redescobrir e construir uma nova vida. A leitura se tornou seu guia, sua bússola em direção a um futuro cheio de possibilidades. 
 
    E assim, a garota que se perdeu de si mesma encontrou a si mesma novamente através das páginas dos livros. Laura se tornou uma contadora de histórias, compartilhando sua jornada e inspirando outros a encontrar a magia da leitura em suas próprias vidas. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Peso morto

    Essa é a história de um jovem chamado Rafael. Ele vivia em uma pequena cidade no interior de Mato Grosso cercada por árvores verdejantes. Sua vida estava longe de ser perfeita. Seu pai, Pedro, estava gravemente doente há vários anos, e seu irmão mais novo, Lucas, de apenas dez anos, necessitava de cuidados constantes. 
 
    Pedro havia sofrido um acidente alguns anos antes, onde fora exposto a um veneno mortal que comprometeu seus pulmões. Desde então, sua saúde se deteriorou rapidamente, deixando-o praticamente sem mobilidade. Rafael testemunhava diariamente a luta do pai para respirar, o constante desconforto e a dependência de outros para realizar as tarefas mais simples. 
 
    A vida de Rafael se tornou uma luta constante para equilibrar o cuidado do irmão e o cuidado do pai. Ele sentia-se sobrecarregado e preso. Enquanto Lucas necessitava de atenção e afeto, Pedro demandava cuidados médicos constantes e atenção total. Rafael começou a considerar seu pai um peso morto, acreditando que a morte dele poderia trazer alívio para todos. 
 
    A escuridão da crise existencial pairava sobre Rafael. Ele se via preso entre suas responsabilidades e o desejo de ser livre. A solidão tornou-se uma constante em sua vida, já que poucos conseguiam compreender a imensidão do seu fardo. O jovem sentia que sua própria vida estava sendo desperdiçada, adiada por deveres que pareciam insuportáveis. 
 
    No entanto, no fundo de seu coração, ele sabia que havia algo mais importante do que seu desespero pessoal: o bem-estar de seu irmãozinho. Mesmo em seus momentos mais sombrios, Rafael não conseguia ignorar o amor incondicional que sentia por aquele menino inocente. Lucas era um raio de luz em sua vida, um lembrete constante de que havia bondade e beleza no mundo. 
 
    Foi durante uma noite escura e tempestuosa que o jovem atingiu o ápice de sua crise. Ele observava o velho lutando para respirar, seu rosto pálido e sofrido. Rafael sentiu a tentação de pôr um fim ao sofrimento de seu pai de uma vez por todas, mas algo dentro dele se recusou a ceder a esse impulso sórdido e violento. Uma centelha de altruísmo e compaixão que ainda existia em seu coração o fez parar. 
 
    Na manhã seguinte, Rafael decidiu que não poderia deixar que o desespero o dominasse. Ele buscou ajuda da comunidade local, compartilhando suas dificuldades e abrindo-se para o apoio emocional e prático que lhe era oferecido. Médicos e cuidadores foram contatados para auxiliar no cuidado de Pedro, permitindo que ele pudesse dividir sua atenção e tempo de forma mais equilibrada. 
 
    A medida que o tempo passava, o jovem percebia que havia encontrado uma nova força dentro de si mesmo. Ele aprendeu a aceitar a situação em que se encontrava e a encontrar significado nas pequenas alegrias e momentos de conexão que surgiam em sua vida cotidiana. Ele descobriu que, mesmo nas situações mais difíceis, a compaixão e o altruísmo poderiam florescer, trazendo paz e propósito. 
 
    Rafael encontrou um equilíbrio entre suas responsabilidades e suas próprias necessidades. Ele aprendeu a valorizar o amor e o cuidado, a enxergar a beleza na fragilidade humana e a encontrar força na solidariedade da comunidade. Enquanto Pedro continuava sua luta pela vida, Rafael tornou-se um farol de esperança e inspiração para aqueles ao seu redor. 
 
    O jovem compreendeu que a vida é um presente precioso e efêmero, e que cada momento tem seu valor. Sua história não era apenas sobre desespero e crise existencial, mas sobre a capacidade do ser humano de superar desafios e encontrar um propósito maior, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. 
 
    E assim, Rafael aprendeu que a verdadeira bondade reside na aceitação e no cuidado pelos outros, mesmo quando tudo parece perdido. Seu amor por Lucas e a compreensão de que a vida é um presente frágil o ajudaram a encontrar sua própria paz interior e a redescobrir a alegria de viver. 
 
    Em uma tarde de forte calor, ao voltar para casa depois de um dia árduo de labuta, adentrou a humilde residência e viu, estupefato, o corpo inerte de seu velho pai. Do lado da cama, Lucas estava agachado e ao seu lado, o velho travesseiro utilizado para impedir a respiração do ancião. No olhar do menino a tranquilidade de realizar a tarefa que ele não conseguira. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense