terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

A faca na bananeira

    Esperou o sol declinar-se no horizonte. O amarelo do sol ia desaparecendo e dando lugar ao cinza de uma nova noite que caia naquele lugar tão pacato. Caminhou até os pés de bananeira no fundo do quintal e puxou a faca que havia enterrado em uma delas dias antes. A nódoa pingava da faca um tanto enferrujada. Com certeza uma facada só e ele morreria, pensou consigo. Com cuidado para não ser visto entrou no salão da igreja e atravessou passando por cima do púlpito vazio. O quarto onde dormia ficava em um dos cantos do templo. Colocou a faca embaixo do travesseiro e sentiu o coração acalmar. Parecia que sairia pela boca. O que estava fazendo? Indagava-se a si mesmo em determinado momento. O que aconteceria se matasse uma pessoa? Seria uma tragédia para si mesmo, seu irmão e seu pai. Viviam de favores naquela igreja. O Pastor havia dado-lhes guarida quando a mulher havia ido embora com as filhas. O pai trabalhava na plantação de cana-de-açúcar e passava a noite fora. Naquela semana estava trabalhando no turno da noite. Não poderia deixar que isso acontecesse. Não ia permitir. De forma alguma. Seu irmão era pequeno. Inocente. Aquele lobo em pele de ovelha não ia abusar de um garoto inocente. Não permitiria. 
 
    O velho senhor era bem recebido pelo Pastor e sua esposa sempre que vinha para a cidade. Também pudera. Ele sempre trazia coisas boas da vila onde morava. Frangos caipiras, ovos, queijos, leite, doces, abóboras. Isso o tornava uma pessoa confiável e querida por toda família pastoral. Sem contar que ele era brincalhão com os pequenos filhos do Pastor e com o pequeno garoto. Trazia balas. Então não foi diferente naquele dia. Lá estava ele todo feliz brincando com as crianças. A noite, com certeza seria o pregador. Tinha uma mensagem impactante. Conhecia bem a Bíblia e transmitia uma palavra de conforto e sabedoria. A igrejinha era muito avivada. Os crentes oravam muito. Meia hora de oração antes do início do culto era fichinha para os membros daquela comunidade. Por que Deus não revela o que esse homem é de verdade? Questionava do seu canto enquanto via ele pregar a palavra. Olhou para o seu irmão que já cochilava. Com certeza ia dormir como um anjo e nem imaginava o perigo que corria. 
 
    Sabia que não dormiria naquela noite. O coração batia muito forte. Cobriu o irmão e deitou-se. Tinha o costume de cobrir todo o corpo, inclusive a cabeça para dormir. Entrava alguma claridade pelas frestas da janela. A lua estava cheia. Os grilos cantavam. Olhou por baixo do lençol e viu que o velho ainda estava sentado na cama. Lia a Bíblia. Passou um pouquinho e o viu ajoelhando para orar. Como podia? Não conseguia acreditar que isso realmente fosse verdade. Mas, lembrou-se da última semana em que ele estivera ali. Acordou com um barulho e viu quando o homem havia levantado o lençol que cobria seu pequeno irmão. Quando foi para passar a mão em suas partes íntimas levantou-se rapidamente. O homem assustou e largou o lençol. 
 
    - O que está fazendo? 
 
    - Seu irmão estava descoberto e ia cobrir ele. 
 
    Sabia que não era isso que acontecera. Homem seboso. Ia bolinar com a pequena criança inocente. O velho sentou-se na cama e colocou a cabeça entre as mãos. Cobriu seu irmão e ficou vigiando até o dia raiar. Queria contar para o pai quando chegasse. Mas, sabia que poderia ser mal interpretado e, conhecendo os seus acessos de raiva, poderia apanhar. Melhor não, pensou consigo mesmo. Ninguém vai acreditar na minha história. Tenho que fazer algo. Semana que vem ele volta. Meu irmão não está seguro. Foi então que lhe veio a ideia da faca na bananeira. Não se lembrava onde havia lido sobre a nódoa da bananeira. 
 
    O silêncio era sepulcral. Podia ouvir as batidas do próprio coração. Já era tarde da noite com certeza. O tempo não passava. O irmãozinho tinha um chiado no peito. Podia ouvir também. O velho levantou-se. O coração acelerou. Se ele descobrir o meu irmão eu vou meter a faca na barriga dele, foi o que pensou na hora. Era uma agonia terrível. O tempo parecia ter congelado. O velho andou pelo quarto. Observou se ele dormia. Apenas os três no quarto. Pediu que Deus não permitisse que o homem bolinasse seu irmão. Proteja-nos, Senhor. Mais alguns minutos que pareciam uma eternidade. O velho sentou-se na cama. Deitou. Dormiu. Mais algumas horas e os galos anunciaram um novo dia. O sol raiou. O velho se foi e ficou as lembranças dessa terrível noite na memória deste que vos escreve. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Evolução mental

"Posso e devo ser melhor. Cada dia caminhar no processo evolutivo. Cada amanhecer posso melhorar. Preciso acreditar nisso, pois tenho compromisso com a renovação da minha mente." 
 
Pensamento: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Vida e morte de Laura

    Essa é a história de Laura. Laura era meiga, delicada e me fazia sorrir. Vezes séria, vezes alegre, o certo é que era muito inquieta. Não parava um só minuto. Cantava, imitava algumas falas. Tinha hora que pensava que ela queria conversar, sei lá, quem sabe fofocar. Acho que sim. O importante é que ela me distraia. Às vezes chegava cansado do serviço e até me esquecia desse cansaço ao conversar com Laura. 
 
    Laura tinha amigos. Na verdade uma amiga, Branquinha, e um amigo, Trovão. Ah, como era engraçado ver os três juntos se divertindo. Quem olhava não conseguia entender essa amizade. Eles eram tão diferentes, mas mesmo assim eram amigos. Fazia frio ou calor, o dia era chuvoso ou de sol quente e lá estavam os três a compartilhar suas ideias, carinho e atenção uns com os outros. 
 
    Mas, como nem tudo nesta vida são flores, chegou o fatídico dia em que a vida de Laura foi brutalmente ceifada. Sem ter nenhum escrúpulo, Malvado galgou os espaços aberto na cerca e alimentou-se de Laura. Sem poder se defender da cilada na qual foi envolvida, a pobre criatura foi devorada pelo cruel Malvado. 
 
    Só Deus sabe a raiva que fiquei quando não mais vi Laura neste mundo. Uma pena indicava o seu fim. Triste e desolado pela perda de Laura passei vários dias imaginando sua vida no além. Será que existe um paraíso só para os pássaros? Laura era meu papagaio. 
 
Texto: Odair José, Poeta Cacerense