sexta-feira, 26 de julho de 2024

No cemitério

    Na pequena cidade de Lambari, nos anos 80, três garotos inseparáveis, Lira, Zoião e Dison, eram conhecidos por suas aventuras ousadas. Em uma noite de lua cheia, decidiram testar sua coragem explorando o antigo cemitério local, um lugar envolto em lendas assustadoras. 
 
    "Vamos ver quem tem coragem de ir até o túmulo do coronel Bento!", desafiou Lira, o mais destemido do trio. Armados com lanternas e um senso de bravura juvenil, os três amigos adentraram o cemitério, seus corações batendo acelerados. 
 
    Enquanto caminhavam entre os túmulos, um silêncio sepulcral envolvia o ambiente, interrompido apenas pelo farfalhar das folhas ao vento. Chegaram ao túmulo do coronel Bento, uma sepultura imponente e coberta de musgo. Lira, determinado a provar sua coragem, se aproximou e iluminou a lápide com sua lanterna. 
 
    De repente, um som de terra se movendo fez com que os três se virassem abruptamente. De um túmulo ao lado, emergia um esqueleto, seus ossos brilhando sob a luz da lua. Os olhos vazios pareciam fixar-se neles, e um silêncio aterrador tomou conta do lugar. 
 
    "CORRE!" gritou Zoião, quebrando o encanto do medo. Os três garotos dispararam em direção à saída do cemitério, suas lanternas balançando e iluminando o caminho tortuoso. O som de seus passos apressados ecoava entre os túmulos enquanto o esqueleto permanecia em pé, como uma sentinela macabra. 
 
    Ao alcançarem a segurança da rua principal de Lambari, os meninos pararam para recuperar o fôlego, olhares arregalados e respirações ofegantes. "Vocês viram aquilo?" perguntou Dison, ainda tremendo. "Era um esqueleto de verdade!" 
 
    "Eu falei que o cemitério era assombrado!" exclamou Lira, tentando esconder o medo atrás de uma fachada de bravura. 
 
    Os três amigos juraram nunca mais voltar ao cemitério à noite, mas a história do encontro com o esqueleto se tornou uma lenda em Lambari, contada e recontada pelos moradores. Para os três garotos, aquela noite foi uma mistura de medo e excitação que jamais esqueceriam, uma lembrança vívida de uma aventura nos tempos de infância. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 21 de julho de 2024

A serpente e o cavalo

    Estava em um lugar nebuloso. Cheio de árvores esparsas em meio um vasto cerrado. Olhei para todos os lados e não sabia qual direção tomar. Na verdade, nem sabia como tinha ido parar naquele lugar. Um medo terrível tomou conta de mim. O sol escaldante queimava a minha cabeça e ofuscava a minha visão. Almejava a minha salvação que não aparecia nunca. 

    Estava absorto em meus temores quando a avistei. Seus olhos eram tenebrosos e foi à primeira coisa que vi. Ela, aos poucos foi saindo da toca. Era enorme e assustadora. De cor cinzenta. Seu contorno era aterrorizante e um temor apoderou-se de mim. Eu precisava correr. Mas não teria condição de fugir dela correndo a pé. Seu olhar ameaçador fixou-se sobre mim e me fez entender que a qualquer momento ela daria o bote certeiro e fulminante que acabaria com minha vida. Vida que seria dilacerada em um momento. 

    Foi quando avistei, logo ali na frente, aquele belo cavalo. Negro da cor da noite mais escura ele pastava tranquilamente alheio à presença da víbora. Cavalguei-o e nem precisei esporeá-lo para que cavalgasse como um raio pela planície. Foi uma perseguição alucinante pela esplanada e uma fuga espetacular. Olhei para trás e vi a enorme serpente ficando a distância. Meu coração acelerado era o retrato do medo pelo qual passei. O cavalo parou ao entrar em um enorme jardim cheio de flores. Flores lindas e perfumadas. Eram muitas mesmo que até sumiam das vistas. 

Nesse instante eu acordei. O que significa não sei, mas esse foi o sonho que tive essa noite. 

Prosa: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 30 de junho de 2024

Cidade sem cabaré

    Falo de uma cidade cheia de farmácias. Um lugar que representa uma sociedade doente, cheia de ratos e morcegos. Uma cidade onde você não encontra nenhum cabaré. Sinal de que não há promiscuidade? Pelo contrário. Pederastas, lascivos e outros devassos é o que mais se pode encontrar pelas penumbras dessa cidade. 

    Bares. Inúmeros. Pelo menos dois em cada quarteirão. Uma mistura de poluição sonora com poluição visual que ofuscam a visão e fedem nas narinas de gente séria que nela tentam sobreviver. Bares que escondem o pecado original em suas bases. No fundo são antros de prostituição e distribuição de entorpecentes. 

    Ratos e morcegos são literais. Existem milhares deles pelas valas e bueiros. Mas, também, são simbólicos. São pessoas que sujam essa cidade com suas imundícias e perversões e a transformam neste limbo indescritível. Morcegos que sugam nossas energias com suas mandíbulas doentias. Farmácias imponentes em cada esquina mostram o quanto à cidade é doente. 

    Sodoma e Gomorra parecem o paraíso diante das atrocidades cometidas nessa cidade. Fogo e enxofre são insuficientes para extinguir o mal enraizado nas ruas e vielas dessa cidade. Uma bomba atômica varreria do mapa essa que é um antro de perdição, mas não conseguiria purificar tanto mal. 

    Pode-se ouvir, dependendo do poder de audição, o choro contido em almas que perambulam pelas praças e avenidas dessa cidade. Um choro contido e sufocado pela agressão verbal e espiritual impostas sobre essas almas. Não existem pessoas para gritar contra essa opressão desenfreada que toma conta da cidade. 

    Onde estão as casas de luz vermelha que mostram de forma clara onde se podem esquecer os dissabores de vidas medíocres encurraladas entre quatro paredes? Casas que oferecem um ponto de fuga. Um refúgio para almas incontidas. Como buscar remédio para um mal que não se encontra no corpo e sim no íntimo de cada um. 

    Algumas mulheres insatisfeitas, mal amadas (ou incompreendidas) que se arrastam e se dobram ao primeiro galanteio de um ser qualquer. Que são conduzidas à promiscuidade e se entregam aos prazeres a ponto de esquecer até de seus filhos. Sanguessugas que espreitam suas vítimas nas mesas de bares e botecos maquinando qual a melhor forma de dar o bote certo. Querem sanar as frustrações que passam nos lares enquanto esperam seus maridos chegarem do trabalho. 

    Nessa ânsia de curar essa dor incurável acabam contribuindo para o crescimento dos motéis e dormitórios secretos. E como um abismo puxa outro abismo contribui também para o crescimento do consumo de bebidas e entorpecentes que, consequentemente, corrobora com o tráfico e crimes. 

    A cidade não dorme. O silêncio não existe por aqui. 

    Ouve-se o grito agonizante de almas que rastejam nessa lama de indecência e buscam, de forma desesperada, um braço estendido para salvá-las. Demônios sobrevoam os espaços e lançam seus grilhões de invejas e ciúmes. Mortes bárbaras se tornam corriqueiras e banais diante de uma sociedade que se acostumou com a miséria de vidas sem sentido. 

Crônica: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 9 de junho de 2024

Forasteiros em Lambari

    Nos idos anos 80, Lambari era uma cidadezinha pacata no interior de Mato Grosso, um lugar onde o tempo parecia correr devagar e a vida era simples e tranquila. Com ruas de terra batida, casas de madeira e gente humilde, Lambari era o tipo de cidade onde todos se conheciam pelo nome e as crianças brincavam soltas pelas ruas até o anoitecer. O local onde hoje é a praça central, com seu coreto, era o coração da cidade, onde tinha o "Ranchão" e se realizavam as festas e encontros da comunidade. 

    Numa manhã ensolarada de primavera, dois forasteiros chegaram a Lambari, despertando a curiosidade dos moradores. Eram homens altos, de semblantes severos e olhares furtivos, trajando roupas escuras e chapéus de aba larga que escondiam parcialmente seus rostos. A princípio, ninguém sabia ao certo o que queriam ali, mas a atmosfera de desconfiança rapidamente se instalou. Com o passar dos dias, os boatos começaram a circular: os dois homens estavam envolvidos em atividades criminosas, intimidando comerciantes e exigindo "proteção" em troca de dinheiro. 

    Entre os moradores, três jovens amigos decidiram que algo precisava ser feito. Paulo, um rapaz destemido de 17 anos, filho do dono do armazém; Lira, um garoto inteligente e curioso de 16 anos, sempre visto com um livro nas mãos; e Rosinha, uma jovem corajosa de 15 anos, filha do delegado da cidade. Os três eram inseparáveis desde a infância e tinham um senso de justiça inabalável. 

    Numa noite estrelada, reunidos no quintal da casa de Rosinha, os amigos traçaram um plano. Decidiram vigiar os forasteiros e coletar informações sobre suas atividades. Lira, com sua habilidade de observação, começou a seguir os homens discretamente, tomando nota de todos os seus movimentos. Paulo, forte e habilidoso, preparou esconderijos estratégicos ao redor da cidade para servir de postos de observação. Rosinha, com seu conhecimento sobre o trabalho do pai, sugeriu usar um velho gravador que havia encontrado no escritório do delegado para captar conversas incriminadoras. 

    Os dias seguintes foram de tensão e expectativa. As noites eram dedicadas a vigias e cochichos no escuro. Aos poucos, os jovens começaram a entender a extensão das atividades dos forasteiros: chantagens, extorsões e ameaças eram suas armas, e o medo sua maior conquista. A situação parecia cada vez mais desesperadora, mas os três amigos mantinham-se firmes na determinação de libertar sua cidade. 

    Numa noite especialmente silenciosa, Paulo conseguiu capturar uma conversa crucial entre os dois homens, revelando um plano de assalto ao local de depósito bancário da cidade. O local não contava com a proteção necessária de um banco. Com a prova em mãos, os jovens sabiam que era hora de agir. Rosinha, aproveitando que o pai estava de plantão na delegacia, mostrou a gravação ao delegado, que rapidamente mobilizou a pequena força policial da cidade. Dois ajudantes da polícia conhecidos como "bate-paus". 

    Na madrugada seguinte, enquanto os forasteiros se preparavam para executar seu plano, foram surpreendidos pelo representante policial, seus ajudantes e pela resistência da comunidade, que, alertada pelos jovens, reuniu-se para defender sua cidade. Encurralados e sem saída, os homens foram presos, e a paz voltou a reinar em Lambari. 

    Os três amigos foram saudados como heróis pela coragem e determinação. A aventura havia fortalecido ainda mais os laços entre eles e deixado uma lição importante para todos: mesmo nas menores e mais pacatas cidades, a união e a coragem da comunidade podem vencer qualquer ameaça. No "Ranchão", iluminado pelas luzes da festa que celebrava a vitória, ecoava a alegria com risos e músicas, enquanto Lambari, mais uma vez, voltava a ser o refúgio de tranquilidade e harmonia que sempre fora. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 1 de junho de 2024

O Mistério na Fonte da Praça Barão

    Em Cáceres, uma pacata cidade que exala história e cultura, a Praça Barão sempre foi um ponto de encontro para os cidadãos e turistas. Com bancos de madeiras, árvores que formavam túneis de sombra e, no centro, uma fonte de água cristalina que jorrava com um suave murmúrio, atraindo os olhos e ouvidos de quem passava. 

    Porém, certa manhã, a serenidade da praça foi substituída por um clima de tensão e preocupação. Crianças que brincavam perto da fonte começaram a apresentar manchas avermelhadas na pele, seguidas de forte coceira. Em pouco tempo, o número de casos só aumentava, e não demorou para que adultos também começassem a mostrar os mesmos sintomas. 

    A prefeitura, preocupada com a situação, convocou uma equipe de especialistas para investigar a causa. Exames iniciais não encontraram nenhum agente patogênico conhecido na água da fonte. Contudo, uma análise mais detalhada revelou vestígios de uma substância desconhecida, que parecia ter se misturado à água. 

    Em meio às investigações, uma senhora idosa, Dona Bastiana, conhecida por suas histórias sobre a cidade, trouxe uma pista. Ela contou sobre uma lenda antiga que falava de uma substância mágica guardada por seus antepassados, que ficava armazenada bem abaixo da praça e tinha o poder de curar ou adoecer, dependendo de como fosse usada. 

    A equipe, agora aliada a arqueólogos, começou a escavar em volta da fonte e descobriu uma antiga câmara subterrânea. Dentro dela, encontraram inscrições e uma urna selada. Acredita-se que a urna continha a substância mágica, que, por algum motivo, começou a vazar e contaminar a água da fonte. 

    Tomando cuidado extremo, os especialistas selaram novamente a urna e purificaram a água da fonte com técnicas modernas. Aos poucos, a praça voltou ao normal e as manchas e coceiras nas vítimas começaram a desaparecer. 
    A cidade, então, decidiu criar um monumento em homenagem à Dona Bastiana e à lenda da substância mágica, para que a história não fosse esquecida. A Praça Barão, com sua fonte cristalina, voltou a ser um local de alegria e encontro, mas também de respeito e lembrança da magia que uma vez ameaçou seus habitantes. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 2 de março de 2024

Os segredos do Marco do Jauru

    Há um grande mistério que envolve o Marco do Jauru. O exuberante monumento trazido de Lisboa no século XVIII e faz parte do cenário espetacular da Praça Barão do Rio Branco em Cáceres, Mato Grosso, tem muitas histórias que a grande maioria das pessoas não sabem. Se você fizer um pesquisa nos aplicativos de buscas vai encontrar muita coisa relacionada a sua história, o porque ele foi trazido para esse lugar, inóspito na época, e porque está implantado agora no centro histórico dessa cidade, a Princesinha do Rio Paraguai, carinhosamente chamada pelos seus moradores. No entanto, o que quase ninguém sabe é sobre os segredos que envolvem esse imponente monumento. 

    Qual é a relação entre o Anjo da Ventura e o Marco do Jauru? O que esses dois artefatos tem em comum? Você não sabe, né? Na verdade até consigo ver a sua cara de surpresa. Você nem sabia que tem um Anjo da Ventura no topo da casa Dulce, ao lado do Banco do Brasil no centro de Cáceres, né? Não sabia! Pois é. Existe uma relação impressionante sobre esses dois monumentos. O Anjo da Ventura e o Marco do Jauru... Mas, não vou contar aqui. 

    Você já parou para pensar o que tem dentro do Marco do Jauru? Já reparou naquela pequena abertura que fica no topo do monumento, bem pertinho da Cruz em uma de suas laterais? Não sabe o que significa aquilo, né? 

    Sabe a relação que tinha o Marco do Jauru e a Ponte Branca? Sim, a Ponte Branca que foi construída sobre o córrego do Sangradouro e ligava a rua General Osório à rua Riachuelo em tempos não tão remotos na história da cidade? Não sabe, né? Pois é. Não poderiam ter destruído a Ponte Branca. Não poderiam. 

    Ainda tem o mistério do vampiro que veio em uma das caravelas de Pedro Álvares Cabral quando do descobrimento do Brasil. Sua trajetória marítima, sua luta para sobreviver em terras tupiniquins e sua chegada no Vapor Etrúria no século XIX e seu possível esconderijo no Marco do Jauru. Além disso, qual é a relação desse vampiro que, de acordo com algumas histórias, vive a séculos nesta cidade, com o Misterioso Homem da Praça Barão? 

    É meus amigos e amigas. Tem muitas histórias sobre o Marco do Jauru que você não sabe. Vou contar algumas em breve. Se quiser me acompanhar nessa grande aventura de descobrimentos é só ficar atento as próximas escritas. 

Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Noé e seus filhos

    Noé olha para a grande planície a sua frente e vê o horizonte distante até onde a sua vista alcança. É mais uma manhã radiante da natureza. O sol brilha no azul infinito de um céu límpido e majestoso. Eis a grandeza de Deus Criador, pensa o nobre patriarca. Pássaros voam e cantam nas árvores enquanto borboletas encantam com seus voos inocentes. Uma brisa aquieta a alma do patriarca que tem a sua meditação interrompida pelos passos que ele conhece muito bem. São seus três filhos que o acompanha para mais um dia de labuta. 

    Os três jovens param ao lado do pai e, por um breve instante, ficam em silêncio na contemplação da natureza. Notam, no entanto, um pouco de preocupação no semblante do velho pai. Algo o incomoda, pensam eles. 

    Sem: - O senhor parece um pouco preocupado. Aconteceu alguma coisa? 

    Noé: - Tenho recebido mensagens divinas. Deus me disse que um grande dilúvio está por vir, e Ele quer que construamos uma arca para nos salvarmos, junto com os animais. 

    Cam: - Um dilúvio? Isso é inacreditável, pai. Por que Deus faria isso? 

    Noé: - Ele acredita que a humanidade se desviou do caminho certo. A arca será nossa única salvação. 

    Jafé: - Mas como construir uma arca? E que animais levaríamos? 

    Noé: - Deus me deu as instruções detalhadas. A arca será grande o suficiente para abrigar a todos nós, bem como um par de cada espécie de animal para preservar a diversidade da vida. 

    Sem: - Isso é uma tarefa enorme, pai. Como começaremos? 

    Noé: - Primeiro, precisamos coletar os materiais necessários. Madeira de qualidade, resina e todos os recursos que Deus indicou. Depois, começaremos a construção. 

    Cam: - Certamente haverá muitos que vão nos ridicularizar por acreditar nisso. 

    Noé: - É verdade, meu filho, mas temos que confiar na mensagem divina. Precisamos ser fortes e perseverantes. 

    Jafé: - E quanto tempo temos, pai? 

    Noé: - Deus me deu um prazo, mas não sabemos exatamente quando o dilúvio acontecerá. Devemos nos apressar e trabalhar com dedicação. 

    Sem: - Vamos fazer isso, então. Se Deus falou contigo, acreditamos e o ajudaremos a construir a arca. 

    Noé sorriu, aliviado pela compreensão de seus filhos. Juntos, começaram a jornada para construir a arca, enfrentando desafios e críticas, mas mantendo a fé na mensagem divina que os guiava. A construção da arca se tornou uma jornada de confiança, trabalho árduo e união familiar, pois Noé e seus filhos se esforçaram para cumprir a missão que acreditavam ser divina. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense 

    Reflexão: Para que ninguém pense que Noé foi poupado somente por causa de suas boas obras, Deus deixou bem claro que ele foi um homem que creu em Deus como Criador, Soberano e o único salvador do pecado. Ele achou graça porque se humilhou e buscou a mesma. O registro bíblico afirma que Noé era justo, íntegro e andava com Deus. "Justo" significa que ele vivia segundo os padrões justos de Deus; "íntegro" coloca-o à parte quando comparado com as outras pessoas da época; e que ele "andava com Deus" coloca-o na classe especial dos que obedeciam a Deus de forma incondicional.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Mel e Pimenta

    Essa história teve seus desdobramentos em uma pequena vila chamada Lambari no interior de Mato Grosso nos anos 80. O que me lembro desse período sempre me vem em fragmentos. Eu era ainda muito jovem e muita coisa se perdeu com o tempo. Dessa forma, se alguma coisa não puder ser confirmada pelos que viveram naquela época, não é culpa minha. 

    Valdir, mais conhecido na época por Pimenta (não sei se por causa de algum fato em particular) era um jovem negro criado pelos afagos da avó, (seus pais haviam morrido em um acidente quando ainda era um bebê) enfrentava uma vida de privações. Sua casa modesta era marcada pela falta de recursos, mas a avó, uma mulher de sorriso marcante e coração generoso, era sua fonte constante de apoio. No entanto, o jovem Pimenta, rebelde por natureza, encontrava na escola um terreno fértil para suas confusões. As salas de aula eram palcos de suas travessuras, e os professores, muitas vezes impotentes diante de seu espírito indomável. A vida de Pimenta na escola era uma constante batalha. Rebelde e indisciplinado, ele encontrava maneiras de desafiar as normas estabelecidas. A sala de aula muitas vezes se transformava em um terreno fértil para suas brigas, rendendo-lhe a fama de aluno problemático entre professores e colegas. 

    Do outro lado da vila, (cabe dizer que na época, a vila era praticamente de uma rua só, a principal que se chamava Boa Vista) Melissa, era a filha única de uma família tradicional, que vivia em um mundo de estudos e sonhos. Sua beleza singela encantava a todos, mas era sua dedicação aos livros que a destacava. Os pais de Mel, (assim ela era conhecida por todos) respeitados na comunidade, sonhavam com um futuro grandioso para a filha, imaginando-a como uma médica renomada que elevaria o nome da família. Eles dedicavam tempo a jovem menina porque tinham planos ambiciosos para ela, sonhando com um caminho acadêmico sólido que a levaria a se tornar uma médica de renome. 

    Mas, nem sempre a vida acontece da forma que planejamos. O destino, por vezes surpreendente, cruzou os caminhos desses dois jovens de mundos totalmente opostos. Um encontro casual revelou uma conexão instantânea, transcendendo as barreiras sociais que os separavam. O amor, surgindo inesperadamente, tornou-se o fio condutor de uma história destinada a desafiar convenções. Como quase sempre acontece na história da humanidade e não se pode explicar, uma tarde, por acaso, seus olhares se encontraram, e algo mágico aconteceu. Entre as diferenças que os separavam, uma faísca de conexão surgiu, desencadeando um amor improvável, mas poderoso. Cabe ressaltar aqui que suas vidas colidiram em um momento improvável, criando uma conexão que transcendia as barreiras sociais. Apesar das diferenças evidentes em suas origens, uma poderosa atração floresceu entre eles, desafiando as expectativas da sociedade que os cercava. 

    Contudo, o relacionamento entre Mel e Pimenta enfrentou resistência. A maioria das pessoas que viviam na vila, naquela época, estavam imersas em tradições e preconceitos, e viam com desconfiança o casal improvável. A família de Mel, presa à sua reputação, opunha-se categoricamente ao romance, lançando desafios que testariam a força do amor entre os dois jovens (dizem, não posso provar, que até encomendar a morte do rapaz foi cogitado pelo pai). O idílio do jovem casal apaixonado não foi recebido com aceitação pelas pessoas de bem que viviam na vila. Preconceitos enraizados e a rigidez das tradições locais tornaram-se obstáculos formidáveis para o casal. A família de Mel, em particular, via o relacionamento com total desconfiança, temendo que a reputação da família fosse manchada pela união inaceitável. 

    Mesmo diante de preconceitos e impedimentos, Mel e Pimenta escolheram seguir o caminho do coração. Seu amor tornou-se uma chama ardente que desafiava as expectativas e acendia a esperança em meio às adversidades. O jovem, inspirado pela perseverança de sua avó e guiado pelo amor, buscou superar as expectativas negativas. Por outro lado, Mel, que sempre sonhara em quebrar barreiras no campo da medicina, encontrou em seu relacionamento com Pimenta uma oportunidade de desafiar as normas sociais. Juntos, aprenderam a enfrentar os olhares tortos, as palavras maldosas e as barreiras sociais, construindo um refúgio onde podiam ser verdadeiramente eles mesmos. Movidos pelo amor, alimentados pela resiliência e pela determinação, enfrentaram desafios consideráveis. 

    A trajetória de Mel e Pimenta não foi apenas uma história de amor, mas uma narrativa de resistência e superação. Enquanto Mel buscava a realização de seus sonhos acadêmicos, Pimenta encontrava no amor uma força transformadora que o guiava a um caminho mais disciplinado. Enquanto a moça desafiava as expectativas de sua família e comunidade, Pimenta encontrava na paixão por ela uma motivação para canalizar sua rebeldia de maneira mais construtiva. O amor deles, apesar dos obstáculos, tornou-se um exemplo de coragem e resistência. À medida que os anos passavam, a vila testemunhou não apenas um romance improvável, mas uma transformação silenciosa nas mentalidades. Mel e Pimenta, através de seu amor inquebrável, desafiaram as normas sociais e inspiraram uma comunidade a repensar seus preconceitos. 

    Mel e Pimenta, com seu amor resiliente, tornaram-se agentes de mudança, desafiando estereótipos e inspirando outros a questionar as normas sociais. O que começou como uma história improvável na década de 80 se transformou em um legado de coragem e determinação que ecoou pelas gerações seguintes. A história de Mel e Pimenta não foi apenas sobre o amor entre dois corações, mas sobre a capacidade de transcender as barreiras impostas pela sociedade e forjar um caminho próprio. Sua jornada provou que, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras, o amor verdadeiro pode florescer e iluminar os corações mais sombrios. 

    Para ser sincero, não sei o que aconteceu com esse casal depois que me mudei para Cáceres nos anos 90. Nunca mais soube deles e qual foi a trajetória final deles. Tento imaginar uma família bem sucedida com filhos e, quem sabe, até netos nessa altura do campeonato. No entanto, para este que vos conta essa história, o que vale mesmo é saber que o amor pode acontecer em qualquer lugar e situação. O que vale mesmo é viver o amor quando ele acontece na sua intensidade. Só o amor pode vencer preconceitos e tradições. Só o amor pode acender a luz do nosso coração. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 19 de novembro de 2023

A amante dos livros e o escritor

    Camila sempre teve uma paixão inabalável por livros. Desde criança, os mundos imaginários contidos nas páginas de histórias fascinavam sua mente curiosa. Ela frequentava a biblioteca regularmente e devorava cada palavra que encontrava. Sua vida pacata mudou quando, por acaso, ela conheceu Miguel, um escritor renomado que frequentava o mesmo café onde ela costumava ler. 

    Miguel, com seus quarenta e poucos anos, era um homem experiente, mas sua alma ainda pulsava com a paixão pela escrita. Seus olhos encontraram os de Camila em uma tarde ensolarada, enquanto ela folheava um romance clássico. O olhar de Miguel foi atraído pela intensidade e beleza da jovem amante de livros, e uma conexão especial começou a se formar. 

    A diferença de idade entre eles era evidente, mas isso não impediu que a amizade crescesse. Camila, com sua juventude vibrante, trouxe uma nova energia para a vida de Miguel, enquanto ele, com sua experiência, ofereceu a ela uma visão mais profunda sobre a vida e a arte da escrita. Os dois compartilhavam longas conversas sobre livros, ideias e sonhos, encontrando inspiração mútua. 

    A paixão de Camila por livros e o entusiasmo de Miguel pela escrita se tornaram a base de um amor que florescia dia após dia. Ele começou a encontrar inspiração em cada detalhe da vida dela, transformando suas experiências em histórias que cativavam os leitores. Camila, por sua vez, via Miguel como o herói de suas próprias histórias, um homem que a compreendia de uma maneira que poucos conseguiam. 

    O tempo passou, mas a chama entre eles só se intensificou. Juntos, exploraram o mundo literário e viveram uma história de amor que transcendeu as barreiras do tempo e da idade. Camila, mesmo jovem, tornou-se uma musa para Miguel, inspirando-o a escrever com mais paixão e profundidade. Suas experiências compartilhadas transformaram-se em narrativas emocionantes que tocavam os corações dos leitores. 

    A sociedade podia questionar a diferença de idade, mas para Camila e Miguel, o amor que compartilhavam era uma fonte de força. Eles aprenderam que a verdadeira inspiração não conhece limites, e o vínculo que criaram se tornou uma prova viva de que a paixão pela vida e pela arte pode transcender qualquer barreira. 

    Dessa forma, a jovem amante de livros e o escritor mais experiente continuaram a escrever sua própria história de amor, uma história que ecoaria nas páginas dos livros que ambos tanto amavam. E, enquanto o tempo seguia seu curso, a inspiração entre eles permanecia, alimentando a chama que queimava eternamente. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Tentação

    José era um jovem forte e esbelto. Simpático até demais, dizia sua mãe. Era sempre atencioso e dedicado a sua sua família. Cuidava da mãe com todo carinho e dedicação como havia feito com seu pai antes de sua partida, antes do tempo, por causa de um infarto. Era sempre muito carinho e, até mesmo cuidadoso, com a irmã menor que costumava brincar bastante. Dedicado na Igreja, onde participava com muita influência, do conjunto de jovens e era, também, bastante cobiçado pelas moças do conjunto. Afinal, diziam as mulheres mais velhas para as filhas, aquele é um jovem para casar. 
 
    José acabara de completar seus 18 anos e terminava os estudos no Ensino Médio já se preparando para adentrar à Universidade. Havia escolhido o Curso de História, primeiro porque gostava muito da História, principalmente da História de Israel, segundo porque era um curso noturno e ele tinha que trabalhar durante o dia para ajudar a sua família. Por esse motivo estava bem motivado a fazer o Curso de História. 
 
    Naquele dia ele chegou em casa bem cansado do trabalho. Estava trabalhando de ajudante de pedreiro enquanto não surgia algo fixo para fazer. O sol dos últimos dias não estava ajudando. Uma onda de calor tomava conta de tudo. Efeito do El Ninho, ouvia dizer no noticiário. Mas, sabia que, no fundo, é culpa do próprio ser humano que desmatou todas as árvores. Antes de sentar na cadeira de fio na varanda a mãe saiu da cozinha com um olhar de felicidade: 
    - Você não vai acreditar! 
    - O que aconteceu? 
    - Você conseguiu um emprego! 
    Recebeu da mão da mãe o papel. Era uma oportunidade de entrevista para trabalhar de atendente em uma loja de materiais elétrico. 
 
    O dono da loja era já um senhor de idade. Provavelmente na casa dos 60 anos. Pelo menos foi isso que José conseguiu identificar. O senhor, um tanto sistemático mostrou-lhe a loja, as prateleiras e os estoques. 
    - Você ficará a maior parte do tempo aqui. Quando minha esposa não puder atender no caixa, ai você dá uma mão para ela - Disse o senhor. 
 
    José chegou cedo para o seu primeiro dia de trabalho. Estava feliz porque agora teria um salário razoável e não ia ter que se expor naquele sol escaldante. Teria até mesmo tempo de estudar em algumas hora quando o atendimento fosse menor. Estava absorto em seus pensamentos quando a porta da loja se abriu e uma linda mulher surgiu diante dele. 
    - Você é o José? - Indagou a jovem mulher olhando-o de cima abaixo. 
    - Sim! 
    - Eu sou a Samanta, esposa do Gervásio. Vamos trabalhar juntos. 
 
    Gervásio era o dono da loja. Samanta não passava dos 25 anos. Essa foi a impressão de José. Ele não se sentiu nada confortável com a presença dela. Era muito bonita e usava roupas bem decotadas. Na verdade, não queria reparar mas acabou reparando que ela estava com um vestido bem curto e colado ao corpo. Uma tentação! Foi o que passou pela sua mente. Ela, por sua vez, pareceu ter notado o desconforto do jovem e emendou: 
    - Hum! Você é bonitão, né? 
 
    Alguns dias se passaram sem muitas novidades. No final do mês, Gervásio chamou o jovem no escritório. 
    - Rapaz! - Disse o senhor após uma breve pausa depois de ter fixado o olhar no jovem - Melhorou bastante as vendas! Acho que você tem o talento para vendas. Boa parte da clientela está elogiando o seu trabalho. Continue assim. 
    - Obrigado senhor! 
    - E a Samanta? 
    A pergunta o pegou desprevenido. Não esperava aquele tipo de pergunta. O que tem a Samanta? O que ele quer saber sobre a sua esposa? 
    - Não entendi a pergunta. O que tem ela? 
    - Eu que te pergunto: O que tem ela? 
    - Não sei senhor. O que o senhor quer saber exatamente? 
    - Ela é muito gostosa, né? 
    José ficou rubro. Não esperava esse tipo de abordagem. O que será que esse senhor está querendo. 
    - Calma jovem - disse ele soltando uma gargalhada - Estou só brincando com você! 
    Nunca tinha visto o velho sorrir. Sempre sério. As vezes passava dias sem ir na loja. Samanta chegou a dizer que ele cuidava de outra loja e que preferia estar sempre por lá: 
    - Acho que ele está comendo a empregada que trabalha lá, só pode! 
 
    Era uma tarde monótona. Fim de mês e o movimento da cidade vai caindo aos poucos. José arrumava o estoque da loja quando Samanta saiu da porta dos fundos onde dava para a casa do casal que ficava próximo à loja. Vestia um vestido bem curto, curto até demais, e bem colado ao corpo. Era muito sensual, mas agora extrapolava todos os bons costumes. Fez questão de passar quase roçando nele, mesmo havendo outros espaços para ela passar. Talvez para o provocar ou para que sentisse o delicioso perfume que exalava de seu corpo recém saído do banho. O coração acelerou, as pernas tremeram e o pacote de fios caíram de suas mãos. 
    - Deixa que eu pego! - Disse ela quando José fez o movimento para se abaixar. 
    Ele, quase sem movimento, viu ela se abaixar para pegar o pacote de fios no chão o que fez com que avistasse a sua intimidade. A cor do pecado foi o que avistou bem diante de seus olhos estáticos. 
    - O que foi? - Ela indagou ao se levantar e se aproximar dele, roçando-o novamente - Parece que viu um fantasma. 
    Antes que pudesse dizer alguma coisa ela emendou: 
    - Não se preocupe, eu não mordo - Fez uma pequena pausa e completou - a não ser que você queira! 
 
Continua...