terça-feira, 9 de junho de 2020

Cuidado com esse olhar!


Antes de dormir naquela tarde veio em sua memória todas aquelas mulheres. Aquela garota extrovertida que viajou ao seu lado e que falou muita coisa sobre a cidade. Ela era uma jovem bonita e interessante. Inteligente e que, pelo menos foi isso que percebeu, conhecia muita coisa sobre o submundo da cidade de Cáceres. Val saiu de seus pensamentos para dar lugar a Bel. Aquela menina que o atendeu no balcão e o conduziu até o quarto, que sorria o tempo todo. Que coisinha mais linda, pensou consigo mesmo. Mas, então, essa é substituída pela dona Lu. Que mulher! Parou o olhar por um momento. A figura imponente daquela mulher simplesmente tomou conta de seus pensamentos. Antes de fechar os olhos veio em sua mente a jovem que deixara lá em Lambari. Luciana era como uma luz que brilhava lá longe. Pensando nessas mulheres ele adormeceu. 

Já escurecia quando ele acordou. Abriu a janela. Era uma janela enorme de madeira que dava para o enorme quintal. As primeiras estrelas já começavam a brilhar no céu e era possível vê-las através das folhas dos pés de mangas que tinham no quintal. Viu também o cachorro que estava preso em uma coleira que se prendia a um arame estendido sobre todo o quintal. Deve ser bravo, pensou ao ver o animal que descansava sobre umas folhas. Foi até o banheiro para tomar banho e encontrou a mulher no corredor. Era a dona. Ela olhou para ele e pode notar o seu olhar também. Passou por ela e não pode deixar de curvar a cabeça para vê-la de costas. O senhor de barba que estava sentado no fundo do salão na hora do almoço vinha atrás dele. 

- Cuidado com esse olhar! - Falou o homem. 

Ficou sem graça. O homem se aproximou dele. Carregava uma toalha e sabonete. Com certeza tomaria banho também. Olhou para ele e completou:

- Dois já morreram por causa dela... 


Trecho do livro "O FILHO PRÓDIGO" de Odair José da Silva. 
Lançamento em breve!

sábado, 6 de junho de 2020

O milagre


Ela entrou na cabana naquela madrugada. Seu coração estava ferido. Ela não sabia o que aconteceria com seu filho. Sentia o vazio que ele causara em seu coração e desejava apenas que o Senhor pudesse protegê-lo. Dobrou seus joelhos no assoalho da cabana e encostou o rosto em uma das cadeiras e durante mais de uma hora falou com Deus. Após isso ela sentou-se em uma das cadeiras e puxou a outra colocando-a à sua frente. Ficou em silêncio por uns minutos e lembrou-se de um milagre que ocorrera com ela ali mesmo naquele lugar. 
Ele tinha por volta dos dez anos quando foi acometido por uma doença que o deixou de cama por vários dias. No terceiro dia em que ele apresentava os sintomas de muita febre, tosse, bolhas avermelhadas pelo corpo e falta de respiração o pai foi até a vila e trouxe alguns medicamentos indicados pelo farmacêutico. Ele havia orientado que se caso o menino não melhorasse deveria ser levado para Cáceres, o lugar mais próximo com Hospital. Mas, naquele período eles estavam passando por grandes dificuldades. Fora um ano em que a colheita foi prejudicada pelas faltas de chuvas e o que colheram não deu para pagar as despesas. Não tinham condições de arcar com médicos. Ela tinha visto a angústia no olhar marido sem poder fazer muita coisa pelo filho. Então, na madrugada ela se dirigiu até a cabana e conversou com Jesus expondo sua situação e que, se fosse de sua vontade, curasse o seu filho. Dois dias depois o menino estava correndo atrás dos bezerros como se nada houvesse acontecido. Souberam pelos vizinhos que três pessoas na região haviam morrido devido o surto daquela doença. Ela sabia que Jesus havia feito o milagre na vida de seu filho. 

Trecho do livro "O Filho Pródigo" de Odair José da Silva.

Lançamento em Breve!

terça-feira, 2 de junho de 2020

A decisão



Olhou para o teto como se percorresse o infinito. Imaginou o mundo novo a sua espera. Havia se decidido depois de muito pensar sobre sua vida. Queria conhecer uma nova vida. Queria curtir novas aventuras. Correr o mundo. Sair daquele lugar. O tempo das longas e intermináveis palestras familiares e as rotinas de ir para a igreja e voltar para casa no final de cada culto estavam prestes a fazer parte do seu passado. 

Virou-se na cama e, antes de apagar a luz, ainda observou o seu irmão mais velho que já parecia estar dormindo. Ambos estavam bastante cansados da labuta daquele dia. Haviam separados alguns animais que seriam vacinados no dia seguinte, vistoriado algumas cercas e plantado uma parte da lavoura de milho. Antes de escurecer, no entanto, já estavam a caminho da igreja. Naquela terça era culto de oração e ensino bíblico. Após o culto haviam retornado para casa onde um jantar os esperava. Trocaram algumas palavras sobre o culto e sobre a vacina do dia seguinte nos animais e cada um foi para o seu aposento. 

Apagou a luz e, antes de dormir, ainda ficou pensando na sua decisão. Sabia que causaria, no mínimo, um desconforto na família e na igreja. Algumas coisas mudariam na rotina de seus pais. Eram pessoas de bem e que sempre pautara suas vidas de forma ética e conservadora. Pensou no semblante alegre do seu pai. Por mais que a situação fosse difícil ele sempre estava alegre e tinha bons conselhos. Diferente da mãe que era sempre séria e reflexiva. Sabia das histórias de luta que os dois tinham enfrentado para conseguir a pequena fazenda que possuíam agora. Criava os três filhos nos princípios bíblicos e desejavam que seguissem uma vida digna na comunidade e na igreja. 

Os olhos já estavam se fechando quando ainda pensou na igreja. Era um dos jovens mais atuantes no conjunto. Tinha uma voz bonita e uma boa oratória, além do conhecimento bíblico que fazia com que ele se despontasse como futuro pregador da Palavra de Deus. Sabia que algumas das meninas da igreja eram apaixonadas por ele. Entre elas tinha aquela jovem promissora de cabelos ruivos que se destacava na liderança dos jovens. Mas, pensou ele, não é essa a vida que quero para mim. Vou embora. Já está decidido. Então dormiu. 

(História completa em breve no livro "O Filho Pródigo".)

Odair José, Poeta e Escritor Cacerense

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Nunca pare de lutar



Encostado no canto do quarto na penumbra de mais um dia que termina seus olhos não contém às lágrimas que teimam em rolar pela sua face já pálida de tanto sofrimento. Não sabe o que fazer. Leva as mãos ao rosto e sussurra o seu desespero na esperança de que Deus, e apenas Deus possa ouvir a sua voz. Tudo que podia fazer tinha feito e o que recebera fora apenas a ingratidão. Não poderia mais viver com esse peso e na sua alma a única solução para o fim deste terrível sofrimento seria a morte. Só queria forças para executar um último ato neste mundo: tirar a própria vida! 

De relance viu o pequeno inseto que tinha sido preso na teia da aranha. Lutava para escapar enquanto a aranha caminhava lentamente, como que saboreando a vítima, para fazer a sua refeição. Observou como aquele inseto lutava pela sua vida. Mesmo preso pela teia não desistia. Poderia ajudá-lo. Pensou consigo mesmo. Mas, esse era o ciclo da vida e, dessa forma não deveria intervir. O inseto lutou bravamente. Mas, apesar de seus esforços não conseguiu se livrar e, aos poucos fora devorado pela aranha. 

Como poderia isto ser assim? Levantou daquele canto e foi até o banheiro. Olhou para si mesmo no espelho. Como poderia ser derrotado dessa forma? Olha para aquele inseto que lutou até o fim. Será que sou mais miserável do que aquele pequeno inseto? Em seus pensamentos passava toda essa reflexão. Lavou o rosto e sentiu a água fria tocar sua pele. Era como se acordasse de um pesadelo. Não podia ser mais uma vítima do sistema. Tinha que lutar. Desgarrar-se-ia da teia de aranha e correria livre pelas campinas. 

Pegou uma caneta e escreveu em letras garrafais antes de pregar na cabeceira da cama as palavras: “Nunca pare de lutar!”. Como se aquelas palavras fossem uma vitamina que lhe desse mais coragem e determinação, adormeceu. Quando acordou na manhã seguinte estava revigorado. Pronto para mais um dia de labuta e, dessa vez, pensou consigo mesmo, hei de ser um vencedor. 

Odair José, Poeta e Escritor Cacerense