segunda-feira, 21 de abril de 2025

Os Que Se Desfizeram - Capítulo 5 — O Que Não Suportava o Próprio Peso

    Ele nasceu leve. E aprendeu cedo que a leveza era uma bênção — porque os pesados eram punidos. Quem chorava, era mandado pro quarto. Quem gritava, perdia o afeto. Quem sonhava alto demais, caía. 
 
    Então ele se moldou. Sorria nos momentos certos. Tirava boas notas. E pedia desculpas até quando respirava alto demais. 
 
    Mas cada vez que engolia uma emoção, um de seus ossos enfraquecia. Não de forma literal — mas como quem perde alma no atrito da obediência. 
 
    Aos dezessete, tropeçou no meio da rua. Ouviu um estalo. Não era o tornozelo — era algo mais fundo. Um som que vinha de dentro, como vidro trincando. 
 
    Desde então, começou a rachar. Aos poucos. Primeiro a clavícula. Depois os pulsos. Depois o peito. 
 
    Ninguém via. Por fora, ainda era o mesmo garoto educado. Mas por dentro, era uma arquitetura de estilhaços. 
 
    Na floresta, ele já tinha aceitado. Não falava muito. Não tocava ninguém. Cada passo podia ser o último inteiro. 
 
    O chamavam de Vidro. Alguns o evitavam, por medo de quebrá-lo. Outros o veneravam — diziam que seus ossos, quando partidos, emitiam sons tão belos que faziam corvos dormirem em pleno voo. 
 
    Ele não gostava de nenhuma dessas reações. 
 
    Só queria que alguém o visse sem a moldura do trauma. 
 
    Elias o encontrou à beira de um lago raso, ajoelhado, tentando juntar cacos caídos da própria costela. 
 
    — Você precisa de ajuda? — perguntou Elias, ainda humano demais pra entender. 
 
    Vidro olhou devagar, como quem decide se um olhar vale o risco da quebra. 
 
    — Não. Mas talvez você precise. 
 
    Elias se sentou ao lado dele. Não falou mais. Apenas ficou em silêncio. 
 
    Minutos depois, Vidro tirou um fragmento de osso do peito. Brilhava como cristal sob a luz acinzentada da floresta. 
 
    Estendeu a Elias. 
 
    — Quando chegar a hora, coloca isso na boca. E morde. Vai doer. Mas você vai entender. 
 
    Elias pegou o fragmento com cuidado. Era lindo. E cortava. 
 
(Continua...) 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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