Ele tinha nome, um dia.
Também tinha púlpito, microfone, aplausos.
As pessoas vinham de longe para ouvi-lo falar.
E ele falava.
Falava com a voz da certeza, da moral, da verdade embalada e vendida como pão quente.
Era amado.
Era temido.
Era seguido.
Mas um dia, no meio de um sermão sobre retidão, ele engasgou.
Não com saliva.
Com uma palavra.
A palavra era “salvação”.
Ela se recusou a sair.
Abriu a boca para repeti-la,
mas em vez disso, o que saiu foi um som estranho —
antigo, visceral, como se um idioma esquecido estivesse acordando em sua garganta.
As pessoas riram, nervosas.
Depois, se calaram.
E ele não parou.
Daquela noite em diante, não conseguiu mais dizer frases comuns.
Tudo que saía de sua boca eram pedaços de poema, trechos de línguas mortas,
gritos em forma de flor, risos que sangravam.
Foi expulso.
Da igreja, da cidade, da própria família.
Começou a andar pelas estradas, murmurando seus fragmentos.
Dizem que quem o ouve demais começa a duvidar de tudo:
do tempo, da identidade, da necessidade de continuar sendo humano.
Na floresta, ele achou lar.
Ou ela o achou — ninguém sabe bem.
Foi ali que encontrou Elias.
Estava sentado em cima de uma pedra que parecia um altar tombado,
cercado por folhas que tremiam sem vento.
Elias se aproximou.
O Pregador o olhou com olhos como túmulos — fundos, cheios de ecos.
“Você chegou tarde demais para ser salvo,” ele disse.
Ou talvez tenha dito outra coisa.
As palavras vieram num som quebrado,
mas Elias entendeu.
Sentou-se ao lado dele.
E, pela primeira vez, quis falar também.
Mas só saiu um sopro.
O início de um novo idioma.
(Continua...)
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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