Havia um homem que todos chamavam de velho Zué. Não se sabia ao certo sua idade, apenas que ele já estava ali antes das ruas serem asfaltadas e das janelas se trancarem com medo. Morava numa casa simples, com varanda azul desbotada, onde passava as tardes observando o tempo passar sem se apressar.
Os jovens da vila, quando o coração doía ou a cabeça pesava, vinham sentar-se ao seu lado. Zué não curava ninguém — só escutava e, às vezes, falava. E quando falava, era como quem planta sementes, não como quem dá ordens.
Certa tarde, um jovem ofegante subiu os degraus da varanda, frustrado com a vida, os outros, e até consigo mesmo.
— Zué… como é que o senhor vive assim… tão calmo, com tudo do lado de fora desmoronando?
O velho sorriu com os olhos e falou devagar, como quem atravessa um rio sem molhar o medo.
— Sente aí, rapaz… Vou te contar umas coisinhas que a vida me ensinou. Umas doídas, outras doces. Mas todas verdadeiras. Preste bem atenção e aprenda.
Tirou o olhar do horizonte e olhou para o jovem a sua frente, suspirou fundo e começou:
Em primeiro lugar. “Nem tudo merece resposta.”
— Já vi homem se perder por responder ofensa com grito. O silêncio, às vezes, ensina mais do que a raiva. Só fala com veneno quem tem medo de morrer esquecido.
Segundo. “Expectativa demais é sede com copo furado.”
— Espera dos outros o que eles puderem dar. O resto, dá você mesmo pra sua alma. Se não der, ela seca.
Terceiro. “O que grita ‘urgente’ quase nunca é importante.”
— Muita coisa só parece necessária porque o mundo corre como doido. Mas correr sem saber pra onde é só outra forma de se perder.
Em quarto lugar. “Tranquilidade não é um lugar sem barulho. É saber ouvir o barulho sem se perder nele.”
— A calma que carrego não é falta de problema, não, menino. É treino de não deixar o problema sentar na minha cabeça.
Quinto. “Pouca coisa vale um aborrecimento inteiro.”
— Já perdi noite de sono por bobagem. Hoje, se não for pra alimentar alma, deixo passar. Quem guarda tudo, envenena a própria carne.
Em sexto lugar. “Cuide do corpo — ele é o barco onde a mente navega.”
— Um pouco de sol, comida quente, cochilo bom… parece pouco, mas sem isso, até pensamento vira pedra.
Sétimo. “A solidão, quando amiga, vale mais que mil conversas vazias.”
— Estar só é ruim só pra quem tem medo do próprio silêncio. Aprende a conversar contigo… você vai se surpreender.
Em oitavo lugar. “Nem toda briga é tua. E isso é liberdade.”
— Já entrei em guerra que nem era minha. Hoje, olho e penso: vale minha paz? Se não vale, deixo com Deus.
Nono. “Comparar é esquecer de viver a própria história.”
— A vida do outro pode até parecer bonita… mas ninguém exibe cicatriz. Cuida da tua estrada. Ela é só tua.
E em décimo lugar. “Soltar é a arte de não morrer preso.”
— Tem coisa que a gente precisa deixar ir: gente, dor, culpa, o que não foi. Soltar não é desistir… é abrir espaço pra respirar.
O jovem ficou quieto, olhando o pôr do sol escorrer entre as folhas.
— O senhor aprendeu tudo isso vivendo?
Zué soltou um riso leve.
— Não, meu filho… aprendi errando. A tranquilidade vem é depois da tempestade, quando a gente entende que algumas dores são só avisos. O segredo é não se apegar ao trovão.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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