domingo, 27 de julho de 2025

O lugar onde eu moro

    Houve um tempo em que eu me evitava. 
 
    Sim, como quem cruza a rua para não ter de encarar alguém incômodo, eu me desviava de mim. Me ocupava de vozes alheias, de rotinas emprestadas, de expectativas que nem sabia de onde vinham — apenas as carregava, como se fossem parte da mobília da alma. 
 
    Mas um dia, o barulho do mundo cansou. Ou fui eu quem cansou de escutá-lo. 
 
    Então me sentei. Não porque quis, mas porque algo em mim desabou. Foi ali, entre as ruínas do que eu fingia ser, que me encontrei. Pela primeira vez, sem desculpas. 
 
    No começo, estranhei minha própria presença. Achei-me silencioso demais. Exigente. Incômodo até. Ficar comigo era como visitar um velho que se recusa a sorrir. 
 
    Mas insisti. Fui ficando. Como quem aprende uma língua nova, fui ouvindo meu próprio idioma interno — cheio de pausas, incoerências, dúvidas e pequenos espantos. Descobri que pensar com profundidade é uma forma de escutar. 
 
    E escutar a si mesmo é perigoso. Pode-se descobrir que se viveu mais para os outros do que para si. Pode-se perceber que o medo moldou mais decisões do que o desejo. Pode-se lembrar de sonhos enterrados com pressa. 
 
    Mas também — e isso é o que salva — pode-se descobrir que há em si um lugar que nunca foi invadido. Um quarto sem janelas, onde nenhuma crítica entrou. Um abrigo, onde a chama do ser ainda arde, tímida, mas intacta. 
 
    Hoje gosto de estar comigo. Não porque me acho pronto, bonito ou sábio — mas porque sou verdadeiro. Comigo, não preciso impressionar, competir, provar. 
 
    Comigo, eu apenas sou. E isso, descobri, é o que mais se aproxima da liberdade. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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