quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Meu coração é grande

    Cáceres, início dos anos 90. A Praça Duque de Caxias fervia no começo da noite, com as luzes amareladas dos postes e o cheiro de pastel vindo da barraca da esquina. Os bancos de madeira, ainda pintados de branco, era ponto de encontro de gente que queria ver e ser vista. No ar, um zunido distante de insetos e as primeiras batidas abafadas vindas do UBSSC — o clube onde, naquela época, qualquer festa parecia o evento do ano. 
 
    Geraldo, ou “Gê” para alguns, caminhava com o passo confiante de quem usava a farda com o mesmo cuidado que outros usavam perfume caro. Jovem militar, ele cultivava um sorriso fácil e um olhar que misturava charme e ousadia — qualidade ou defeito, dependendo de quem julgasse. 
 
    Naquela noite, recebeu um convite inesperado: "Aparece no UBSSC hoje, vai ser bom". O recado veio por um amigo, sem muito detalhe. E, como de costume, Gê não precisou pensar duas vezes. 
 
    O que ele não sabia é que o convite era parte de uma armadilha silenciosa. Havia semanas que Marisa, a morena de fala rápida que o chamava de “Anjo”, e Marinalva, a loira de riso tímido que carinhosamente o chamava de "Gê”, vinham trocando suspeitas. E, numa cidade onde segredo corre mais rápido que vento no rio Paraguai, as duas descobriram que ele não estava dividindo apenas o tempo… mas também o coração. 
 
    Quando Geraldo chegou à praça, não precisou procurar ninguém. Marisa e Marinalva estavam lá, lado a lado, braços cruzados, como duas estátuas prestes a ganhar vida. 
 
    — Boa noite… — arriscou ele, ainda com aquele sorriso que acreditava resolver qualquer mal-entendido. 
 
    — Gê… — disse Marinalva, com a voz dura. 
 
    — Anjo… — disse Marisa, mais fria ainda. 
 
    Ele sentiu o ar pesar. As pessoas nos bancos próximos começaram a prestar atenção, farejando drama como quem sente cheiro de chuva. 
 
    — Hoje você vai dizer — começou Marisa. — Com qual de nós você quer ficar. 
 
    — E qual de nós você ama de verdade — completou Marinalva. 
 
    Geraldo respirou fundo. A pausa foi calculada. O olhar dele percorreu o rosto das duas, como se fosse um rei prestes a decidir qual princesa escolher. Mas então, com aquele humor que sempre achou irresistível, deixou cair a frase que entraria para o folclore da praça: 
 
    — Meu coração é grande… cabe a duas. 
 
    Silêncio. E então, dois sons secos e quase simultâneos ecoaram pela praça: PÁ! PÁ! Um tapa de cada lado. 
 
    Geraldo ficou parado, a face ardendo e a vaidade amassada, enquanto as duas viravam as costas ao mesmo tempo, caminhando para lados opostos. 
 
    No banco próximo, alguém riu alto. No banco da esquina, um senhor comentou: 
 
    — Bem feito. Quem tem coração grande, que arrume também um rosto de ferro. 
 
    E assim, naquela noite, o “Gê” e o “Anjo” morreram… mas nasceu o Geraldo que pensaria duas vezes antes de tentar dançar com duas músicas ao mesmo tempo. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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