Cáceres, início dos anos 90.
A Praça Duque de Caxias fervia no começo da noite, com as luzes amareladas dos postes e o cheiro de pastel vindo da barraca da esquina. Os bancos de madeira, ainda pintados de branco, era ponto de encontro de gente que queria ver e ser vista. No ar, um zunido distante de insetos e as primeiras batidas abafadas vindas do UBSSC — o clube onde, naquela época, qualquer festa parecia o evento do ano.
Geraldo, ou “Gê” para alguns, caminhava com o passo confiante de quem usava a farda com o mesmo cuidado que outros usavam perfume caro. Jovem militar, ele cultivava um sorriso fácil e um olhar que misturava charme e ousadia — qualidade ou defeito, dependendo de quem julgasse.
Naquela noite, recebeu um convite inesperado: "Aparece no UBSSC hoje, vai ser bom". O recado veio por um amigo, sem muito detalhe. E, como de costume, Gê não precisou pensar duas vezes.
O que ele não sabia é que o convite era parte de uma armadilha silenciosa.
Havia semanas que Marisa, a morena de fala rápida que o chamava de “Anjo”, e Marinalva, a loira de riso tímido que carinhosamente o chamava de "Gê”, vinham trocando suspeitas. E, numa cidade onde segredo corre mais rápido que vento no rio Paraguai, as duas descobriram que ele não estava dividindo apenas o tempo… mas também o coração.
Quando Geraldo chegou à praça, não precisou procurar ninguém. Marisa e Marinalva estavam lá, lado a lado, braços cruzados, como duas estátuas prestes a ganhar vida.
— Boa noite… — arriscou ele, ainda com aquele sorriso que acreditava resolver qualquer mal-entendido.
— Gê… — disse Marinalva, com a voz dura.
— Anjo… — disse Marisa, mais fria ainda.
Ele sentiu o ar pesar. As pessoas nos bancos próximos começaram a prestar atenção, farejando drama como quem sente cheiro de chuva.
— Hoje você vai dizer — começou Marisa. — Com qual de nós você quer ficar.
— E qual de nós você ama de verdade — completou Marinalva.
Geraldo respirou fundo. A pausa foi calculada. O olhar dele percorreu o rosto das duas, como se fosse um rei prestes a decidir qual princesa escolher. Mas então, com aquele humor que sempre achou irresistível, deixou cair a frase que entraria para o folclore da praça:
— Meu coração é grande… cabe a duas.
Silêncio.
E então, dois sons secos e quase simultâneos ecoaram pela praça: PÁ! PÁ!
Um tapa de cada lado.
Geraldo ficou parado, a face ardendo e a vaidade amassada, enquanto as duas viravam as costas ao mesmo tempo, caminhando para lados opostos.
No banco próximo, alguém riu alto. No banco da esquina, um senhor comentou:
— Bem feito. Quem tem coração grande, que arrume também um rosto de ferro.
E assim, naquela noite, o “Gê” e o “Anjo” morreram… mas nasceu o Geraldo que pensaria duas vezes antes de tentar dançar com duas músicas ao mesmo tempo.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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