quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

A jovem leitora encantadora

    A palestra começou como começam todas as coisas que julgamos sob controle: com palavras alinhadas, ideias preparadas, livros empilhados sobre a mesa. Fui apresentado, aplaudido com gentileza acadêmica, e passei a falar da escrita como quem abre uma casa antiga — mostrando cômodos, rachaduras, silêncios. Falava dos meus livros, das obsessões que me conduzem, da leitura como abrigo e abismo. 
 
    À minha frente, um grupo de estudantes de Letras me escutava com atenção rara. Havia olhos curiosos, cadernos abertos, canetas em vigília. Mas, entre todos, um olhar não apenas escutava — permanecia. 
 
    Ela estava sentada algumas fileiras adiante. Não chamava atenção pelo excesso, mas pelo contrário: havia nela uma economia de gestos, uma elegância que não parecia ensaiada. O cabelo em repouso, o corpo atento, o rosto iluminado por uma beleza que não se explicava nos padrões comuns. O mistério estava sobretudo nos olhos: profundos, como se carregassem leituras que ainda não escreveu e silêncios que não pretende contar. 
 
    Enquanto eu falava sobre personagens, narrativas e o perigo de se escrever demais sobre si mesmo, percebi que já não falava apenas para a sala. Cada frase, sem que eu quisesse, buscava aquele ponto exato onde ela estava. Como se a literatura, naquele instante, tivesse escolhido uma leitora específica. 
 
    Houve um momento em que nossos olhares se cruzaram — rápido, quase acidental — e, ainda assim, definitivo. Não houve sorriso, não houve gesto. Apenas o reconhecimento estranho de que algo havia sido lido sem palavras. Continuei a palestra, mas já não era o mesmo. Eu falava, e por dentro revisava cada frase, como se ela pudesse lê-las por dentro também. 
 
    Quando tudo terminou, vieram as perguntas, os agradecimentos, os livros autografados. Ela permaneceu ali, misturada aos outros, até se aproximar, delicadamente, e trocarmos algumas palavras sobre livros e leitura. E talvez por isso mesmo tenha ficado em minha mente o seu encanto, sua delicadeza. Não sei se por impulso ou destino, mas prometi dar-lhe um dos meus livros. 
 
    Desde então, não deixo de pensar nela. Não sei muito sobre ela, seus gostos, sua voz, suas leituras preferidas. Sei apenas do instante suspenso em que fui menos escritor e mais personagem. Há encontros que não pedem continuidade; pedem memória. E essa jovem, surgida entre páginas e cadeiras acadêmicas, tornou-se uma dessas histórias que a vida escreve sem se preocupar com desfechos. 
 
    Talvez seja isso o encanto: não saber. Guardar. Continuar escrevendo com a sensação de que, em algum lugar, alguém lê não apenas o que escrevo — mas o que sou quando escrevo. 
 
Crônica: Odair José, Poeta Cacerense

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