sábado, 27 de dezembro de 2025

As 7 pragas na Praça Barão (Parte 5) - Os vespões

    A cidade já não dormia. Depois da chuva de gafanhotos, Cáceres virou uma ferida aberta. Postes queimados, telhados furados, casas em silêncio. A Praça Barão permanecia interditada, mas o interdito, ali, já não servia de nada. 
 
    Mesmo assim, naquele domingo, o padre Augusto decidiu manter a procissão. Disse que era preciso rezar — ou pelo menos fingir coragem. Carregaram o andor de Nossa Senhora pelas ruas, entre velas e murmúrios, até a borda da praça. Mas quando o cortejo se aproximou do Marco do Jauru, o ar mudou de densidade. 
 
    Um som grave, como trovão debaixo da terra, ecoou. As velas se apagaram todas de uma vez. E então o zumbido começou. 
 
    Primeiro baixo, depois ensurdecedor. Do alto das árvores, do interior das rachaduras e das bocas de bueiro, saíram criaturas enormes — vespões, pretos e amarelos, do tamanho de punhos. Suas asas batiam com violência, cortando o ar. 
 
    O primeiro ataque veio como um raio. As pessoas caíam, cobertas por enxames que pareciam pensar, escolher os alvos, mirar os rostos que rezavam mais alto. O caos dominou as ruas. O som das orações virou grito, o cheiro de incenso virou medo. 
 
    Laura e o padre correram para dentro da igreja. Do lado de fora, os sinos batiam sozinhos, e os vespões rodeavam o campanário como se quisessem entrar. No altar, uma imagem da santa começou a rachar, do peito até o véu. 
 
    — Padre — disse Laura, com voz trêmula —, eles estão respondendo. 
 
    — Respondendo a quê? 
 
    Ela olhou para o chão. 
 
    — Ao que foi esquecido. 
 
    O teto tremeu. Um pedaço do vitral caiu, cortando o ombro do padre. Sangue escorreu sobre o mármore e caiu em gotas no piso da igreja. Quando a última gota tocou o chão, o zumbido cessou. 
 
    Do lado de fora, silêncio. Um silêncio absoluto. 
 
    Laura saiu devagar e viu que os vespões haviam recuado — pairavam sobre a praça, imóveis, formando uma espiral. No centro, o Marco do Jauru começava a rachar. As pedras estalavam como dentes quebrando. O peito da escultura se abriu, revelando um buraco escuro — um túnel. 
 
    Soldados chegaram em seguida, tentando conter a multidão. Um deles, curioso, desceu com uma lanterna. Dez segundos depois, o som de seu grito subiu pelas fendas, seco e breve. 
 
    Os outros tentaram descer. Voltaram pálidos, mudos. Nenhum soube explicar o que havia lá embaixo, apenas repetiam as mesmas palavras, entre tremores: “Correntes… e vozes… muitas vozes…” 
 
    Laura aproximou-se e viu, nas bordas do túnel, inscrições gravadas em pedra. Mistura de latim e iorubá: Memoria in carne. Dor clama por lembrança
 
    O padre fez o sinal da cruz. 
 
    — Foi aqui que o Barão selou o que não quis confessar. 
 
    Do coreto, Seu Adão observava tudo. Tirou o chapéu, ajoelhou-se e murmurou: 
 
    — Quatro se foram. 
 
    Depois levantou o olhar para o céu avermelhado e completou: 
 
    — Agora o rio vai falar. 
 
Continua... 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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