O devaneio nasce quando o silêncio respira e o mundo, por um instante, suspende sua ordem. É nesse intervalo que o desejo desperta, úmido e febril, buscando forma nas dobras da imaginação. Tudo o que foi contido começa a murmurar — lembranças, fantasias, promessas que nunca chegaram a ser palavras. O pensamento se curva, então, ao prazer do próprio delírio.
Entre a luz e o esquecimento, o devaneio ergue seu jardim secreto. As flores são desejos antigos, guardados como relíquias de uma vida sonhada. As sombras, tentações que nunca morreram de todo, apenas aprenderam a disfarçar-se de pensamento. Cada pétala é uma lembrança do que não se viveu; cada espinho, a lembrança do que se ousou desejar.
E assim o devaneio cresce, alimentado pelo perfume do impossível. Nele o corpo recorda o que a mente tentou esquecer — e o espírito, cansado da razão, se deita no colo do talvez. Não é fuga: é retorno. Retorno à primeira vertigem, ao instante em que querer era mais puro que possuir, e o proibido ainda não tinha nome.
No fundo, o devaneio é um espelho brumoso onde nos contemplamos sem disfarces. Ali se acumulam nossos desejos, nossas tentações, nossas pequenas mortes e renascimentos. E quando despertamos dele, um vestígio permanece: um brilho nos olhos, como se tivéssemos tocado — por um instante — o coração invisível do que jamais existiu.
Pensamentos: Odair José, POeta Cacerense

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