Durante o dia, Elias era exemplar.
Cabelos sempre aparados, camisa passada, frases breves, voz controlada.
Chegava pontualmente ao trabalho, digitava relatórios com precisão cirúrgica, evitava assuntos polêmicos no almoço.
Ele existia como se pedisse desculpas.
Vivia como se pisasse em gelo fino — mesmo quando não havia ninguém olhando.
Às vezes, no entanto, no silêncio entre um clique de teclado e outro, ele ouvia.
Um som.
Baixo, dissonante, impossível de descrever.
Não era voz, não era ruído. Era... outra coisa.
Como se o mundo tivesse uma rachadura por onde vazava algo não traduzível.
Ele tentava ignorar.
Tomava mais café. Passava mais tempo em reuniões.
Comprava coisas que não precisava.
Apagava pensamentos com séries de episódios infinitos.
Mas o som voltava.
Sempre mais perto.
Às vezes vibrava atrás dos olhos.
Às vezes parecia sair do peito.
Um dia, no elevador, enquanto observava seu reflexo imóvel ao lado de outros reflexos imóveis, o som ficou alto demais.
Elias desceu dois andares antes do seu.
Andou até a saída de emergência.
Abriu a porta.
Desceu as escadas sem saber por quê.
Saiu à rua.
E não voltou.
Na primeira noite fora, dormiu num banco de praça.
Na segunda, sob uma marquise abandonada.
No terceiro dia, parou de contar.
Começou a ver coisas — ou talvez a notar o que sempre esteve lá.
Pessoas com olhos ausentes.
Silêncios espessos entre frases.
Rostos que, quando fixados por mais de três segundos, começavam a derreter — não fisicamente, mas em significado.
E então, no quinto dia, sonhou com ela.
A floresta.
Não era verde.
Não era real.
Mas havia um chamado, como se cada folha sussurrasse seu nome antigo — um nome que ele nunca disse em voz alta.
Acordou com lama nos pés.
Mesmo em pleno asfalto.
(Continua...)
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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