Ela não fala.
Não porque não pode.
Porque aprendeu que algumas verdades não cabem em palavras.
E toda vez que tentava nomear o que sentia, uma parte de si morria um pouco.
Agora, prefere o fio.
Costura mantos com o que os outros deixam para trás:
frases engolidas, memórias negadas, pedaços de pele emocional.
Cada ponto é um silêncio aceito.
Cada dobra, uma dor acolhida.
Seu ateliê é feito de matéria estranha —
galhos que se curvam como agulhas,
folhas que lembram papéis queimados,
e uma luz morna que nunca tem fonte.
Às vezes, chegam novos.
Cambaleantes, assustados, ainda com cheiro de gente normal.
Ela os vê antes mesmo que atravessem a fronteira.
Sente o ar tremular —
como quando um raio se aproxima, mas ainda não caiu.
Naquela manhã, ela sentiu Elias.
Vinha partido por dentro.
Com os olhos cheios de perguntas e os passos carregados de negação.
Mas havia nele uma abertura — uma fenda onde o som do outro lado já sussurrava.
Ele entrou na clareira com a alma em desordem.
Ela o olhou.
Ele não disse nada.
Bom sinal.
Sentou-se, sem saber por quê.
Ela trouxe um tecido translúcido — feito de silêncio antigo — e começou a costurar algo sobre seus ombros.
Ele sentiu o calor.
Sentiu também o choro que nunca chorou escorrendo, sem lágrimas, pela espinha.
“Quem é você?”, ele quis perguntar.
Mas sua boca não se moveu.
Ela respondeu mesmo assim — com os dedos, com o fio, com o cheiro do ar.
“Sou aquela que veste os que se desfazem.”
Naquela noite, Elias dormiu sob o manto costurado com suas próprias ausências.
E sonhou que era feito de vento.
E terra.
E coisa nenhuma.
Quando acordou, a Costureira já não estava.
Mas em seu colo, deixara uma agulha feita de osso.
(Continua...)
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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