segunda-feira, 21 de abril de 2025

Os Que Se Desfizeram - Capítulo 7 — O Que Se Recusou a Mudar

    Alguns chegam à beira da transformação e estancam. Travam os músculos da alma. Emperram as engrenagens internas. Fingem que não ouviram o chamado. 
 
    Acham que podem voltar. Que basta querer. Que basta esquecer. 
 
    Este foi um deles. 
 
    Chamava-se Mauro, no tempo dos nomes. Tinha tudo planejado: a fuga, o sumiço, a redenção final em algum ermo. Mas quando a floresta o acolheu — quando o primeiro espelho interior quebrou — ele não quis atravessar. 
 
    Quis resistir. Acreditava que era mais forte que o processo. Mais lúcido. Mais… humano. 
 
    Por um tempo, conseguiu. 
 
    Fez abrigo. Caçou. Guardou a carteira no bolso. Repetia o próprio nome antes de dormir, como um feitiço contra o esquecimento. 
 
    Mas com o tempo, o corpo começou a contrariá-lo. Os olhos embaçaram. A pele ficou pegajosa, translúcida em alguns pontos. As unhas caíam e nasciam de novo, em espiral. A voz — antes grave e firme — virou um zumbido entalado na garganta. 
 
    Ele ainda falava. Mas só dizia coisas que já não faziam sentido. 
 
    “Não estou perdido, estou descansando.” 
    “Amanhã volto pra casa.” 
    “Isso tudo é metáfora.” 
 
    Vivendo nas bordas da floresta, Mauro virou um santuário torto para quem hesita. Os Desfeitos evitam passar por ali. O cheiro é ácido. O ar, viscoso. 
 
    Alguns dizem que ele guarda espelhos feitos de carne. Outros, que ele enterra os nomes dos outros para se manter lembrado. 
 
    Elias chegou perto de sua caverna por engano. Sentiu o cheiro antes de ver. 
 
    Mauro saiu das sombras, cambaleando. Não era velho — mas o tempo nele parecia mal distribuído. 
 
    Os olhos estavam intactos. Apenas os olhos. E isso era pior. 
 
    — Ainda dá tempo — ele disse, com a boca cheia de limo. 
 
    Elias não respondeu. Mas algo em sua espinha se crispou. O medo do que ele poderia se tornar, caso parasse agora. 
 
    Mauro estendeu a mão. Nela, um relógio sem ponteiros. 
 
    — Você pode ficar aqui. Comigo. Nada muda se a gente não deixa. Viu? Eu tô bem. 
 
    Um verme caiu do canto do olho dele. 
 
    Elias apenas caminhou para trás. Sem pressa. Mas sem hesitação. 
 
(Continua...) 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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