O rádio tossia uma MPB antiga no canto do quarto.
A parede estava descascando, igual a ele.
Chovia lá fora — e dentro também.
Ele acendeu outro cigarro com a ponta do anterior, o cinzeiro já parecia uma trincheira.
Olhou pela janela e viu os garotos passando com seus tênis limpos, iPhones de última geração e cabeças ocas.
Falavam alto, riam de nada, filmavam tudo.
Tudo era urgente, tudo era conteúdo.
— Geração de merda — murmurou, cuspindo a fumaça como quem cospe sangue.
O homem triste — ninguém lembrava seu nome, nem ele — não era um herói.
Já tinha feito muita merda. Já tinha batido em portas erradas, amado pessoas erradas,
ficado calado nas horas erradas.
Mas ainda pensava.
E isso doía.
O mundo virou um grande supermercado de egos inflados e ideias plastificadas.
Ele via isso todo dia, nas ruas, nas redes sociais, nos rostos.
Um desfile de carne anestesiada.
Pessoas sem pensamento, sem angústia, sem vergonha.
Só fome. E pressa.
Ele se importava.
Não porque queria mudar.
Mas porque aquilo o feria.
Como uma farpa de vidro sob a unha.
— Quem pensa, sangra. — Ele disse isso para ninguém. Mas foi como uma oração.
Ou um palavrão bonito.
A garrafa de conhaque estava quase no fim.
A tristeza, não.
Mas havia algo nele — talvez um resto de fé, talvez pura teimosia —
que o impedia de fechar os olhos de vez.
Ele sabia que o mundo ia afundar.
Mas queria, ao menos,
gritar um palavrão bonito antes que tudo virasse silêncio.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
Obs. Em homenagem ao Grande Bukowski
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