domingo, 25 de maio de 2025

O homem triste

    O rádio tossia uma MPB antiga no canto do quarto. A parede estava descascando, igual a ele. Chovia lá fora — e dentro também. 
 
    Ele acendeu outro cigarro com a ponta do anterior, o cinzeiro já parecia uma trincheira. Olhou pela janela e viu os garotos passando com seus tênis limpos, iPhones de última geração e cabeças ocas. Falavam alto, riam de nada, filmavam tudo. Tudo era urgente, tudo era conteúdo. 
 
    — Geração de merda — murmurou, cuspindo a fumaça como quem cospe sangue. 
 
    O homem triste — ninguém lembrava seu nome, nem ele — não era um herói. Já tinha feito muita merda. Já tinha batido em portas erradas, amado pessoas erradas, ficado calado nas horas erradas. Mas ainda pensava. E isso doía. 
 
    O mundo virou um grande supermercado de egos inflados e ideias plastificadas. Ele via isso todo dia, nas ruas, nas redes sociais, nos rostos. Um desfile de carne anestesiada. Pessoas sem pensamento, sem angústia, sem vergonha. Só fome. E pressa. 
 
    Ele se importava. Não porque queria mudar. Mas porque aquilo o feria. Como uma farpa de vidro sob a unha. 
 
    — Quem pensa, sangra. — Ele disse isso para ninguém. Mas foi como uma oração. Ou um palavrão bonito. 
 
    A garrafa de conhaque estava quase no fim. A tristeza, não. 
 
    Mas havia algo nele — talvez um resto de fé, talvez pura teimosia — que o impedia de fechar os olhos de vez. Ele sabia que o mundo ia afundar. Mas queria, ao menos, gritar um palavrão bonito antes que tudo virasse silêncio. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense 
Obs. Em homenagem ao Grande Bukowski

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