sexta-feira, 30 de maio de 2025

O homem do sorriso alegre

    Na vila de Lambari, há muito e muito tempo atrás, ninguém trancava as portas. As crianças corriam livres pelas ruas de barro, os velhos jogavam dominó sob a sombra da mangueira da praça, e os cachorros dormiam tranquilos ao sol. E todos, sem exceção, confiavam no Sr. Álvaro. 
 
    Ele era o padeiro. 
 
    Chegava cedo, antes do canto do galo, e assava os pães mais dourados que já se viram. Tinha sempre um agrado para cada um — um docinho para os pequenos, um pedaço de broa para as senhoras, uma piada para os homens da oficina. E, claro, o seu sorriso. 
 
    Aquele sorriso. 
 
    Branco como farinha, largo como um corte de faca. 
 
    Álvaro ria com os olhos. Sempre. Era impossível não gostar dele. Até mesmo quando a vila começou a mudar. 
 
    Primeiro sumiu o gato da D. Inácia. Depois foi o filho da costureira — disseram que tinha fugido para a cidade grande. Um mês depois, o velho Tito foi encontrado morto no rio, os olhos arregalados, como quem viu algo que não devia ser visto. 
 
    O povo chorava, mas a vida seguia. Afinal, Álvaro ainda estava lá, com seus pães quentinhos, seu cheiro de forno e aquele sorriso. 
 
    Foi apenas Isadora, uma menina de doze anos, quem percebeu. Os olhos atentos, quietos, de quem observa mais do que fala. Ela notou que toda vez que alguém desaparecia, Álvaro assava um novo tipo de pão. Quando a costureira perdeu o filho, surgiu o pão de ervas raras. Quando o velho Tito se afogou, ele trouxe à vila um tal de "pão da alma", macio como nuvem, com gosto que ninguém sabia descrever, mas todos comiam com avidez. 
 
    Certa noite, Isadora decidiu seguir Álvaro. Ele caminhava tranquilo pelas vielas, cantarolando uma canção sem palavras, com um saco às costas que parecia respirar. 
 
    Ela o viu entrar nos fundos da padaria, descer por uma escada estreita, e sumir por trás de uma porta de ferro. Esperou. Horas. 
 
    E então ele voltou — com as mãos limpas, mas o cheiro... ah, o cheiro... não era de fermento. Era algo metálico. Quente. 
 
    Álvaro notou Isadora quando ela tentou fugir. E, mesmo na sombra, ele sorriu. Um sorriso calmo, paternal. Convidativo. 
 
    — Você está com fome, minha querida? — ele perguntou, com a voz doce como mel. 
 
    Na manhã seguinte, Lambari chorava mais uma ausência. A vila se enlutava, mas o pão que o Sr. Álvaro ofereceu naquele dia foi o mais elogiado de todos. Macio. Quente. Com um sabor... inexplicável. 
 
    E, como sempre, ele sorria. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

Nenhum comentário:

Postar um comentário