terça-feira, 27 de maio de 2025

O Homem que andava fora do mapa

    Diziam que ele era louco. Outros, que era perigoso. Mas poucos ousavam se aproximar o suficiente para descobrir que, na verdade, ele apenas pensava diferente. 
 
    Chamavam-no de Elói, embora esse não fosse seu nome. Morava numa casa sem paredes, no limite de um bosque onde o sinal das máquinas não alcançava. Não tinha relógio, nem contas digitais. Tinha tempo. Tinha silêncio. E um caderno onde anotava coisas que ninguém mais escrevia. 
 
    “Elói”, diziam os jovens da cidade, “é aquele que desistiu do mundo.” Mas eles não sabiam que ele nunca o tinha aceitado. 
 
    Na juventude, Elói tentara. Usara terno, votara, sorrira para fotografias, compartilhara frases de efeito. Mas, a cada gesto repetido, algo dentro dele se desfazia — como um espelho que se estilhaça em câmera lenta, sem barulho, sem tragédia. Apenas cansaço. 
 
    Ele via as ideologias do mundo como roupas apertadas demais: umas pinicavam, outras sufocavam, outras fingiam aquecer — mas nenhuma servia. E assim, um dia, saiu. 
 
    Não avisou ninguém. Não fez postagem de despedida. Simplesmente caminhou até a beira do mapa e atravessou. 
 
    Do outro lado não havia respostas. Havia mato, vento, pedras, sombras. Havia dor, e fome, e dúvida. Mas também havia ele — inteiro, pela primeira vez. 
 
    Ali, entre os animais silenciosos e os murmúrios da terra, descobriu que a liberdade não é um lugar, mas uma decisão. 
 
    Anotava no seu caderno: "Os homens modernos não buscam a verdade. Buscam conforto." "Ideologia é o nome bonito que dão às grades." "Fugi do mundo para não fugir de mim." 
 
    Um dia, uma garota o encontrou. Era jovem, tatuada, carregava um celular que não funcionava ali. Disse que fugira. De quê? — perguntou ele. De tudo. — respondeu ela. Então sentaram-se e falaram em silêncio. E, pela primeira vez, Elói pensou: Talvez não precise andar só. 
 
    Na cidade, os outros continuavam. Debatendo, consumindo, vencendo pequenas guerras em redes invisíveis. Enquanto isso, Elói — ou o homem que andava fora do mapa — escrevia um novo mundo com os pés na lama e o coração fora da gaiola. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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