domingo, 18 de maio de 2025

Os passos lentos de um domingo qualquer

    O sol ainda hesitava no céu quando Álvaro empurrou a porta de casa. A manhã de domingo se estendia diante dele como um lençol amarrotado de silêncio e brisa. A rua estava quase vazia, exceto por um gato dormindo sobre o capô de um carro e um senhor varrendo folhas secas na calçada oposta. 
 
    Álvaro enfiou as mãos nos bolsos do moletom e começou a andar sem rumo certo. O bairro parecia suspenso no tempo, como se o mundo inteiro tivesse tirado folga para respirar. Seus passos ecoavam baixos no asfalto ainda frio. 
 
    Pensava em como os domingos carregavam uma espécie de melancolia branda. Não era tristeza, exatamente. Era mais como uma pausa, um espaço entre as engrenagens da semana. Uma trégua. Caminhar era sua forma de entender esse intervalo. 
 
    Lembrou-se do pai, que costumava fazer o mesmo: sair cedo, caminhar devagar e voltar com o pão fresco e os olhos distantes. Quando criança, Álvaro achava que ele só queria pão. Agora sabia que havia mais — havia silêncio, havia pensamento. 
 
    Na praça, as folhas caídas desenhavam espirais nos cantos. Álvaro se sentou num banco, observando um casal de velhos caminhando de mãos dadas. Eram lentos, mas firmes. Havia algo de bonito naquela lentidão compartilhada. Algo que falava de tempo, de escolhas, de constância. 
 
    Olhou para as próprias mãos. Não estavam tão velhas, mas também não eram as mesmas de antes. Tantas coisas haviam mudado, e tão poucas ele realmente escolhera. Era como se a vida tivesse passado por ele, e não o contrário. 
 
    Um cachorro latiu ao longe. O sino de uma igreja badalou sete vezes. Álvaro respirou fundo. 
 
    Talvez a vida fosse isso: acordar, andar um pouco, sentir o vento e lembrar que ainda se está aqui. Que se está, de algum modo, vivo. E isso, naquele instante, era o bastante. 
 
    Levantou-se e seguiu o caminho de volta. O pão podia esperar. O tempo, não. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

Nenhum comentário:

Postar um comentário