Era uma manhã de sol radiante, daquelas em que o tempo parece andar de lado. O céu estava límpido e azul como quando não ameaça nenhuma chuva. Mas, ao observar essa manhã radiante havia um mistério no vento, como se carregasse um segredo prestes a escorrer pelas bordas.
Na biblioteca de casa, sobre uma estante, repousava um envelope pardo. Ele estava ali há meses — imóvel, constante, quase parte dos livros. Dentro dele, um documento importante, confiado a mim por um velho amigo com a seriedade de quem entrega um segredo ancestral.
"Cuide dele como se fosse seu", ele não havia dito isso, mas é como se houvesse dito. E eu cuidei. Longe de goteiras, longe do sol, longe do caos. Até hoje.
Faltava pouco para ele chegar. No dia anterior ele me havia comunicado que viria buscar o documento. Então, sentado na varanda, eu o aguardava. Peguei o envelope e coloquei sobre uma cadeira que estava na varanda. Tudo pronto. Só faltava esperar.
Foi quando os gatos — meus fiéis companheiros de solidão — começaram a correr de um lado a outro, em sua habitual caçada imaginária. Não resisti. Aproximei-me, sentei no chão e entrei na brincadeira. Eram saltos, patas no ar, miados e risos. O tempo, que antes parecia preguiçoso, de repente acelerou-se.
Em meio a uma perseguição particularmente empolgada, um dos gatos saltou sobre a cadeira. O envelope caiu. Leve, silencioso. Deslizou como folha seca. E caiu direto... na bacia de água que eu usara momentos antes para regar as plantas.
Fiquei imóvel por um segundo. Depois corri. Retirei o envelope com mãos trêmulas. O papel dentro estava encharcado em suas bordas. Palavras borradas. Assinaturas desfocadas como um sonho que se tenta recordar ao despertar.
Sentei-me no sofá, segurando aquele fragmento do desastre. Meus gatos, talvez sentindo o peso do silêncio, encolheram-se nos cantos. O tempo voltou a desacelerar, como se debochasse da minha pressa inútil.
Quando meu amigo chegou, ouvi seus passos antes mesmo da batida no portão. Levantei-me, caminhei até ele e, ao abrir o portão, o encarei com olhos baixos.
— Eu... preciso te pedir desculpas — disse, com a voz entrecortada. — A verdade é que cuidei do seu documento com todo zelo. Por meses. Mas, hoje, no único dia que importava, eu o deixei cair... caiu na água. Parte dele está danificada.
Ele me olhou por um segundo que pareceu uma eternidade. Depois pegou o envelope, examinou o dano, e respirou fundo. Não disse nada de imediato. Depois, ainda no portão, conversamos longamente sobre histórias e lendas regionais. Um dos gatos se aproximou, talvez tentando ajudar.
Outra vez pedi desculpas sobre o incidente e ele disse, com um sorriso, que não havia problemas, que o documento poderia ser restaurado e estava tudo bem.
Não há como desfazer um acidente. Mas há o pedido sincero, o reconhecimento da falha, a humildade de quem tentou — e errou. Às vezes, é o que nos resta. Às vezes, é o suficiente.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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