O céu sobre Betel estava doente.
Nuvens giravam em espirais estranhas, como se uma mão invisível as estivesse moldando por trás do véu da realidade. E no centro da estrada poeirenta, caminhava Eliseu, recém-saído de Jericó, onde as águas haviam sido curadas — mas não o mundo.
Ele carregava mais que a unção de Elias. Carregava algo herdado na travessia dos céus, quando vira a carruagem de fogo. Desde então, ouvia murmúrios no vento, e seus sonhos estavam cheios de vozes que não eram humanas — antigas, vastas, e indiferentes.
Foi então que surgiram os jovens. Um grupo de quarenta e dois, vindos da cidade, armados de escárnio e olhos vazios. Suas vozes cortaram o ar:
— Sobe, careca! Vai-te, calvo!
Mas o insulto não era só contra um homem. Era contra o que falava através dele. E aquilo ouviu.
Eliseu parou.
O ar ao seu redor se adensou, como se o tempo hesitasse. Ele ergueu os olhos, que agora não brilhavam com ira — mas com um brilho que lembrava o espaço entre as estrelas. Quando falou, sua voz não era apenas dele:
— Em nome d’Aquele Que Não Pode Ser Nomeado... vocês foram vistos.
As palavras reverberaram na terra como um sino de mármore. Então a floresta se abriu — não por entre as árvores, mas entre os planos da realidade.
Duas formas surgiram. Ursas, mas não exatamente. Seus olhos eram buracos que sugavam a luz, seus corpos tremiam como reflexos numa água que não existe. Elas avançaram com lentidão ritual, como sacerdotisas de um culto antigo. E então veio a fome.
Gritos. Não apenas de dor — de reconhecimento. Os jovens viam, no momento da morte, algo que sempre souberam, mas jamais ousaram lembrar. E o terror que os consumiu era maior do que as garras ou os dentes.
Quando tudo cessou, a estrada estava silenciosa. Só o profeta restava, caminhando entre os corpos como uma sombra lançada por outra dimensão.
Ao longe, o céu girava ainda — como o olho de um deus que acabara de piscar.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense