O sol declinava lento sobre o Rio Paraguai, tingindo as águas de cobre e silêncio. D. Nair, velha rezadeira de Cáceres, sentava-se sob o ingazeiro com um terço nas mãos e os pés mergulhados na correnteza morna. Diziam que ela conversava com os mortos, mas naquela tarde ela apenas ouvia.
O rio sussurrava nomes antigos, lembranças de um tempo em que barcos a vapor cortavam as águas como fantasmas. Uma garça pousou perto, imóvel como se também rezasse. Do outro lado, um menino apareceu na margem — era Vicente, seu neto, morto há três anos numa enchente.
— Vó, a senhora ainda espera? — ele perguntou, sem mexer os lábios.
D. Nair não respondeu. Apenas fechou os olhos e sorriu, deixando o terço escorregar da mão. O rio o levou. E levou também a velha, leve como folha de mangueira, dissolvida no abraço das águas.
Quando os vizinhos chegaram, só encontraram pegadas descalças na areia. E um rastro de orações pairando no ar.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense