sábado, 31 de maio de 2025

A moça que tira cor das plantas

    Eu não estava particularmente animado nessa manhã. Fazia frio. E eu não gosto muito de frio. A programação do curso de formação para professores poderia ser mais do mesmo: oficinas sobre metodologias ativas, planejamento, ensino híbrido… poderia, mas não foi. 
 
    A sala era conhecida, a mesma que trabalho História e Filosofia com meus alunos do Primeiro Ano. Lá fora o sol ameaçava espantar o frio e amenizar o meu tédio momentâneo. Quando a moça entrou, carregando uma cesta de plástico, imaginei que teria algo de diferente nesta manhã. O temor das dinâmicas que nos fazem sair da zona de conforto também faz parte dos meus pesadelos. No entanto, meus temores não se confirmaram. Não havia palco. Nem microfone. Ela se apresentou apenas como Ana. Com voz suave chamou a atenção. 
 
    Ana tirou da cesta um punhado de objetos, vidros ou plásticos com sementes de raízes, flores secas. “Essas são minhas tintas”, disse com um sorriso. Começou a falar de sua paixão pela descoberta dos conhecimentos ancestrais das tintas extraídas das plantas. Vinda do interior de Mato Grosso do Sul, que tingia os panos com pau-brasil, jenipapo e outras plantas (inclusive mamona) que não consegui memorizar. Enquanto falava, ela demonstrou a transformação das cores através de pequenos experimentos. 
 
    Eu prendi a respiração. 
 
    Ela explicava como cada cor nascia do atrito entre planta e água, entre fogo e tempo. Mostrou como um tom amarelado surgia do pequi que, como ela disse, uns amam e outros odeiam (não existe meio termo), eu mesmo odeio, como a semente do urucum precisava ser aquecida com óleo para se soltar, como a folha do repolho roxo podia virar azul, rosa ou roxa dependendo do pH. Não era só química — era encantamento. Era ciência com alma. 
 
    Fomos convidados a experimentar. Misturamos, pingamos, vimos as cores ganharem tons. Meus colegas, tão acostumados com quadro branco e marcador permanente, estavam maravilhados, bastante admirados, sorrindo como crianças quando saem para o recreio. 
 
    Ana nos contava que cada cor carregava uma história. A cor da casca do pau-brasil. O violeta do jenipapo vinha da fruta verde, mas escurecia em contato com a pele como um segredo revelado só com o tempo. “O saber da terra não está nos livros, está nas mãos de quem vive nela”, ela disse. Falando de Manoel de Barros ou de Ailton Krenak, ou dos dois. 
 
    Eu a escutava com um nó na garganta. Percebi, ali, que meus alunos sabiam o nome de todos os planetas, mas não reconheciam o cheiro da folha de mamona. Sabiam as cores da Revolução Francesa e da Bandeira dos Estados Unidos, mas não sabiam que o açafrão que coloria o arroz da avó podia virar tinta. Aquela moça, com sua cesta simples e suas mãos manchadas, me ensinava mais sobre educação do que todos os manuais pedagógicos que já li. 
 
    Quando a palestra terminou, ela foi aplaudida de imediato. Antes mesmo de terminar a sua palestra e, depois dela falar tanto nos poetas, eu já estava arquitetando esse texto e autografando um dos meus livros para ela. Conhecimento se transmite dessa forma. 
 
    Guardei comigo mais essa experiência, mais esse aprendizado. Com certeza mais um lembrete: há saberes que não cabem no quadro negro (ou branco). Há cores que só se revelam quando nos abrimos ao invisível. 
 
    Nesse dia, numa pequena sala de aula, descobri que ensinar também é colher raízes. E que toda cor tem sua raiz em algum segredo da terra. 
 
Crônica: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 30 de maio de 2025

O homem do sorriso alegre

    Na vila de Lambari, há muito e muito tempo atrás, ninguém trancava as portas. As crianças corriam livres pelas ruas de barro, os velhos jogavam dominó sob a sombra da mangueira da praça, e os cachorros dormiam tranquilos ao sol. E todos, sem exceção, confiavam no Sr. Álvaro. 
 
    Ele era o padeiro. 
 
    Chegava cedo, antes do canto do galo, e assava os pães mais dourados que já se viram. Tinha sempre um agrado para cada um — um docinho para os pequenos, um pedaço de broa para as senhoras, uma piada para os homens da oficina. E, claro, o seu sorriso. 
 
    Aquele sorriso. 
 
    Branco como farinha, largo como um corte de faca. 
 
    Álvaro ria com os olhos. Sempre. Era impossível não gostar dele. Até mesmo quando a vila começou a mudar. 
 
    Primeiro sumiu o gato da D. Inácia. Depois foi o filho da costureira — disseram que tinha fugido para a cidade grande. Um mês depois, o velho Tito foi encontrado morto no rio, os olhos arregalados, como quem viu algo que não devia ser visto. 
 
    O povo chorava, mas a vida seguia. Afinal, Álvaro ainda estava lá, com seus pães quentinhos, seu cheiro de forno e aquele sorriso. 
 
    Foi apenas Isadora, uma menina de doze anos, quem percebeu. Os olhos atentos, quietos, de quem observa mais do que fala. Ela notou que toda vez que alguém desaparecia, Álvaro assava um novo tipo de pão. Quando a costureira perdeu o filho, surgiu o pão de ervas raras. Quando o velho Tito se afogou, ele trouxe à vila um tal de "pão da alma", macio como nuvem, com gosto que ninguém sabia descrever, mas todos comiam com avidez. 
 
    Certa noite, Isadora decidiu seguir Álvaro. Ele caminhava tranquilo pelas vielas, cantarolando uma canção sem palavras, com um saco às costas que parecia respirar. 
 
    Ela o viu entrar nos fundos da padaria, descer por uma escada estreita, e sumir por trás de uma porta de ferro. Esperou. Horas. 
 
    E então ele voltou — com as mãos limpas, mas o cheiro... ah, o cheiro... não era de fermento. Era algo metálico. Quente. 
 
    Álvaro notou Isadora quando ela tentou fugir. E, mesmo na sombra, ele sorriu. Um sorriso calmo, paternal. Convidativo. 
 
    — Você está com fome, minha querida? — ele perguntou, com a voz doce como mel. 
 
    Na manhã seguinte, Lambari chorava mais uma ausência. A vila se enlutava, mas o pão que o Sr. Álvaro ofereceu naquele dia foi o mais elogiado de todos. Macio. Quente. Com um sabor... inexplicável. 
 
    E, como sempre, ele sorria. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 27 de maio de 2025

A Queda do Gigante

    Na planície poeirenta de Elá, onde os exércitos se encaram em silêncio antes do grito, ergue-se o gigante. Ele caminha como quem já venceu, cada passo um terremoto, cada palavra uma espada. Golias, o inquebrantável. Sua armadura reluz como o sol das trevas, seu olhar é aço. Os homens tremem não só por medo, mas por crer que força é destino. 
 
    Do outro lado, um menino. Nem homem feito ainda. Um pastor de ovelhas com olhos de amanhecer. Ele traz uma funda, cinco pedras, e um nome nos lábios: um nome que o mundo esqueceu, mas que ainda ressoa no céu — YHWH. Ele não veste armadura, não empunha espada. Sua coragem não é ausência de medo, é presença de fé. 
 
    Golias ri. O riso dos grandes que nunca foram desafiados. O riso dos que confundem altura com autoridade, músculos com moral, peso com verdade. Mas o riso do gigante é o riso de quem já caiu — só que ainda não sabe. 
 
    A pedra voa. Pequena, quase nada. Uma curva no ar, um sussurro no meio do grito. E então o silêncio. O gigante tomba. 
 
    Não foi a pedra que o derrubou. Foi o excesso de si. Foi o eco da própria arrogância que o fez vazio por dentro, oco como um templo sem deuses. Davi apenas revelou o que já estava caído. 
 
    Eis o mistério: o mundo acredita na força das lanças, mas Deus prefere os frascos frágeis. Ele se esconde no menino, no improvável, no quase. Enquanto o mundo constrói torres, Ele sussurra do deserto. Enquanto reis contam cavalos, Ele escolhe um pastor com mãos cheias de poeira e olhos cheios de céu. 
 
    A queda do gigante é mais que uma vitória — é uma revelação. O verdadeiro poder não grita, mas permanece. Não se exibe, mas transforma. Davi não venceu Golias para mostrar força, mas para lembrar ao mundo que o impossível é apenas o nome que damos ao que esquecemos de crer. 
 
    E assim, o menino seguiu seu caminho, não como herói, mas como sinal. Porque em cada um de nós há um Golias a tombar, e um Davi a despertar. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

O Homem que andava fora do mapa

    Diziam que ele era louco. Outros, que era perigoso. Mas poucos ousavam se aproximar o suficiente para descobrir que, na verdade, ele apenas pensava diferente. 
 
    Chamavam-no de Elói, embora esse não fosse seu nome. Morava numa casa sem paredes, no limite de um bosque onde o sinal das máquinas não alcançava. Não tinha relógio, nem contas digitais. Tinha tempo. Tinha silêncio. E um caderno onde anotava coisas que ninguém mais escrevia. 
 
    “Elói”, diziam os jovens da cidade, “é aquele que desistiu do mundo.” Mas eles não sabiam que ele nunca o tinha aceitado. 
 
    Na juventude, Elói tentara. Usara terno, votara, sorrira para fotografias, compartilhara frases de efeito. Mas, a cada gesto repetido, algo dentro dele se desfazia — como um espelho que se estilhaça em câmera lenta, sem barulho, sem tragédia. Apenas cansaço. 
 
    Ele via as ideologias do mundo como roupas apertadas demais: umas pinicavam, outras sufocavam, outras fingiam aquecer — mas nenhuma servia. E assim, um dia, saiu. 
 
    Não avisou ninguém. Não fez postagem de despedida. Simplesmente caminhou até a beira do mapa e atravessou. 
 
    Do outro lado não havia respostas. Havia mato, vento, pedras, sombras. Havia dor, e fome, e dúvida. Mas também havia ele — inteiro, pela primeira vez. 
 
    Ali, entre os animais silenciosos e os murmúrios da terra, descobriu que a liberdade não é um lugar, mas uma decisão. 
 
    Anotava no seu caderno: "Os homens modernos não buscam a verdade. Buscam conforto." "Ideologia é o nome bonito que dão às grades." "Fugi do mundo para não fugir de mim." 
 
    Um dia, uma garota o encontrou. Era jovem, tatuada, carregava um celular que não funcionava ali. Disse que fugira. De quê? — perguntou ele. De tudo. — respondeu ela. Então sentaram-se e falaram em silêncio. E, pela primeira vez, Elói pensou: Talvez não precise andar só. 
 
    Na cidade, os outros continuavam. Debatendo, consumindo, vencendo pequenas guerras em redes invisíveis. Enquanto isso, Elói — ou o homem que andava fora do mapa — escrevia um novo mundo com os pés na lama e o coração fora da gaiola. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 25 de maio de 2025

O homem triste

    O rádio tossia uma MPB antiga no canto do quarto. A parede estava descascando, igual a ele. Chovia lá fora — e dentro também. 
 
    Ele acendeu outro cigarro com a ponta do anterior, o cinzeiro já parecia uma trincheira. Olhou pela janela e viu os garotos passando com seus tênis limpos, iPhones de última geração e cabeças ocas. Falavam alto, riam de nada, filmavam tudo. Tudo era urgente, tudo era conteúdo. 
 
    — Geração de merda — murmurou, cuspindo a fumaça como quem cospe sangue. 
 
    O homem triste — ninguém lembrava seu nome, nem ele — não era um herói. Já tinha feito muita merda. Já tinha batido em portas erradas, amado pessoas erradas, ficado calado nas horas erradas. Mas ainda pensava. E isso doía. 
 
    O mundo virou um grande supermercado de egos inflados e ideias plastificadas. Ele via isso todo dia, nas ruas, nas redes sociais, nos rostos. Um desfile de carne anestesiada. Pessoas sem pensamento, sem angústia, sem vergonha. Só fome. E pressa. 
 
    Ele se importava. Não porque queria mudar. Mas porque aquilo o feria. Como uma farpa de vidro sob a unha. 
 
    — Quem pensa, sangra. — Ele disse isso para ninguém. Mas foi como uma oração. Ou um palavrão bonito. 
 
    A garrafa de conhaque estava quase no fim. A tristeza, não. 
 
    Mas havia algo nele — talvez um resto de fé, talvez pura teimosia — que o impedia de fechar os olhos de vez. Ele sabia que o mundo ia afundar. Mas queria, ao menos, gritar um palavrão bonito antes que tudo virasse silêncio. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense 
Obs. Em homenagem ao Grande Bukowski

sábado, 24 de maio de 2025

Um documento, a água e... gatos!

    Era uma manhã de sol radiante, daquelas em que o tempo parece andar de lado. O céu estava límpido e azul como quando não ameaça nenhuma chuva. Mas, ao observar essa manhã radiante havia um mistério no vento, como se carregasse um segredo prestes a escorrer pelas bordas. 
 
    Na biblioteca de casa, sobre uma estante, repousava um envelope pardo. Ele estava ali há meses — imóvel, constante, quase parte dos livros. Dentro dele, um documento importante, confiado a mim por um velho amigo com a seriedade de quem entrega um segredo ancestral. 
 
    "Cuide dele como se fosse seu", ele não havia dito isso, mas é como se houvesse dito. E eu cuidei. Longe de goteiras, longe do sol, longe do caos. Até hoje. 
 
    Faltava pouco para ele chegar. No dia anterior ele me havia comunicado que viria buscar o documento. Então, sentado na varanda, eu o aguardava. Peguei o envelope e coloquei sobre uma cadeira que estava na varanda. Tudo pronto. Só faltava esperar. 
 
    Foi quando os gatos — meus fiéis companheiros de solidão — começaram a correr de um lado a outro, em sua habitual caçada imaginária. Não resisti. Aproximei-me, sentei no chão e entrei na brincadeira. Eram saltos, patas no ar, miados e risos. O tempo, que antes parecia preguiçoso, de repente acelerou-se. 
 
    Em meio a uma perseguição particularmente empolgada, um dos gatos saltou sobre a cadeira. O envelope caiu. Leve, silencioso. Deslizou como folha seca. E caiu direto... na bacia de água que eu usara momentos antes para regar as plantas. 
 
    Fiquei imóvel por um segundo. Depois corri. Retirei o envelope com mãos trêmulas. O papel dentro estava encharcado em suas bordas. Palavras borradas. Assinaturas desfocadas como um sonho que se tenta recordar ao despertar. 
 
    Sentei-me no sofá, segurando aquele fragmento do desastre. Meus gatos, talvez sentindo o peso do silêncio, encolheram-se nos cantos. O tempo voltou a desacelerar, como se debochasse da minha pressa inútil. 
 
    Quando meu amigo chegou, ouvi seus passos antes mesmo da batida no portão. Levantei-me, caminhei até ele e, ao abrir o portão, o encarei com olhos baixos. 
 
    — Eu... preciso te pedir desculpas — disse, com a voz entrecortada. — A verdade é que cuidei do seu documento com todo zelo. Por meses. Mas, hoje, no único dia que importava, eu o deixei cair... caiu na água. Parte dele está danificada. 
 
    Ele me olhou por um segundo que pareceu uma eternidade. Depois pegou o envelope, examinou o dano, e respirou fundo. Não disse nada de imediato. Depois, ainda no portão, conversamos longamente sobre histórias e lendas regionais. Um dos gatos se aproximou, talvez tentando ajudar. 
 
    Outra vez pedi desculpas sobre o incidente e ele disse, com um sorriso, que não havia problemas, que o documento poderia ser restaurado e estava tudo bem. 
 
    Não há como desfazer um acidente. Mas há o pedido sincero, o reconhecimento da falha, a humildade de quem tentou — e errou. Às vezes, é o que nos resta. Às vezes, é o suficiente. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 23 de maio de 2025

A velha rezadeira

    O sol declinava lento sobre o Rio Paraguai, tingindo as águas de cobre e silêncio. D. Nair, velha rezadeira de Cáceres, sentava-se sob o ingazeiro com um terço nas mãos e os pés mergulhados na correnteza morna. Diziam que ela conversava com os mortos, mas naquela tarde ela apenas ouvia. 
 
    O rio sussurrava nomes antigos, lembranças de um tempo em que barcos a vapor cortavam as águas como fantasmas. Uma garça pousou perto, imóvel como se também rezasse. Do outro lado, um menino apareceu na margem — era Vicente, seu neto, morto há três anos numa enchente. 
 
    — Vó, a senhora ainda espera? — ele perguntou, sem mexer os lábios. 
 
    D. Nair não respondeu. Apenas fechou os olhos e sorriu, deixando o terço escorregar da mão. O rio o levou. E levou também a velha, leve como folha de mangueira, dissolvida no abraço das águas. 
 
    Quando os vizinhos chegaram, só encontraram pegadas descalças na areia. E um rastro de orações pairando no ar. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 18 de maio de 2025

Os passos lentos de um domingo qualquer

    O sol ainda hesitava no céu quando Álvaro empurrou a porta de casa. A manhã de domingo se estendia diante dele como um lençol amarrotado de silêncio e brisa. A rua estava quase vazia, exceto por um gato dormindo sobre o capô de um carro e um senhor varrendo folhas secas na calçada oposta. 
 
    Álvaro enfiou as mãos nos bolsos do moletom e começou a andar sem rumo certo. O bairro parecia suspenso no tempo, como se o mundo inteiro tivesse tirado folga para respirar. Seus passos ecoavam baixos no asfalto ainda frio. 
 
    Pensava em como os domingos carregavam uma espécie de melancolia branda. Não era tristeza, exatamente. Era mais como uma pausa, um espaço entre as engrenagens da semana. Uma trégua. Caminhar era sua forma de entender esse intervalo. 
 
    Lembrou-se do pai, que costumava fazer o mesmo: sair cedo, caminhar devagar e voltar com o pão fresco e os olhos distantes. Quando criança, Álvaro achava que ele só queria pão. Agora sabia que havia mais — havia silêncio, havia pensamento. 
 
    Na praça, as folhas caídas desenhavam espirais nos cantos. Álvaro se sentou num banco, observando um casal de velhos caminhando de mãos dadas. Eram lentos, mas firmes. Havia algo de bonito naquela lentidão compartilhada. Algo que falava de tempo, de escolhas, de constância. 
 
    Olhou para as próprias mãos. Não estavam tão velhas, mas também não eram as mesmas de antes. Tantas coisas haviam mudado, e tão poucas ele realmente escolhera. Era como se a vida tivesse passado por ele, e não o contrário. 
 
    Um cachorro latiu ao longe. O sino de uma igreja badalou sete vezes. Álvaro respirou fundo. 
 
    Talvez a vida fosse isso: acordar, andar um pouco, sentir o vento e lembrar que ainda se está aqui. Que se está, de algum modo, vivo. E isso, naquele instante, era o bastante. 
 
    Levantou-se e seguiu o caminho de volta. O pão podia esperar. O tempo, não. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 15 de maio de 2025

2073 - Em Breve!

 
Uma excursão escolar. 
Uma caverna misteriosa. 
Um salto no tempo — direto para o caos. 
 
    Em 2025, sete alunos e um professor entram na Caverna do Jabuti. Ao saírem, descobrem que estão em 2073, em um mundo devastado pela ambição humana. Entre mutações, segredos e o surgimento de uma força chamada Véu, eles precisam sobreviver… ou se tornar parte do próprio tempo. 
 
2073! 
 
Em Breve!

sábado, 3 de maio de 2025

Quando o céu se partiu ao meio

    Dizem que, numa noite de calor e silêncios pesados, o céu sobre o Pantanal se partiu ao meio. 
 
    As estrelas tremularam como lamparinas ao vento, e da terra subiu um lamento antigo, tão antigo quanto o barro das margens do rio Paraguai. Os mais velhos dizem que era o espírito de um guardião esquecido, traído por aqueles que juraram protegê-lo. Outros dizem que era só o som das árvores chorando, anunciando o retorno do Monstro. 
 
    Na Vila Maria do Paraguai, as janelas foram fechadas antes da última luz do dia. As galinhas se calaram no poleiro, os cães choraram baixo e até o gado se recolheu, como se soubesse que algo se arrastava pelas águas. 
 
    Naquela mesma noite, um menino sonhou com prata. Não com moedas, nem com medalhas, mas com um escudo enterrado em lama e luz. Ele acordou suando, o peito doendo como se tivesse corrido léguas. Era Samuel — filho da terra, neto das águas. 
 
    E a partir daquele sonho, o mundo nunca mais seria o mesmo. 
 
    Enquanto isso, em uma casa alta de madeira escura, com janelas voltadas para o rio, Elisa fitava o horizonte com os olhos de quem pressente o vento mudar. Seus dedos tocavam as grades da sacada como se quisessem abrir um portão invisível. E, lá dentro, ela sabia: algo vinha para buscá-la, algo que nem o pai com suas armas, nem os homens com seus mapas, poderiam deter. 
 
    Na mata fechada, o Monstro acordou. 
 
    E o destino começou a caminhar, pisando leve, como quem não quer acordar os vivos. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense 
 
Obs. (EM BREVE - O Cavaleiro com Escudo de Prata que enfrentou o Monstro no Pantanal)

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Quando o urgente atropela o importante

    Outro dia, percebi que passei a manhã inteira apagando incêndios. Não incêndios de verdade, claro — eram mensagens urgentes, tarefas pendentes, compromissos que surgem do nada e já chegam com a sirene ligada. Uma correria sem trégua. Resolvi uma coisa, veio outra. Respirei fundo e já tinha mais duas batendo à porta. 
 
    Quando me dei conta, o dia tinha passado. E o que era importante mesmo — aquela ligação que eu queria fazer para o meu pai, o capítulo do livro que queria escrever, a caminhada que meu corpo pedia há dias — ficou para depois. De novo. 
 
    É curioso como o urgente sempre parece mais importante do que realmente é. Ele tem esse jeito de invadir o espaço, bater o pé e exigir prioridade. Já o importante… o importante é tímido. Fica ali, no canto da sala, esperando a sua vez, como se não quisesse incomodar. 
 
    Mas o curioso é que, no fim das contas, o que mais pesa não é o que deixamos de resolver — é o que deixamos de viver. Não é o e-mail não respondido que fica martelando na cabeça à noite, é a conversa adiada, o tempo perdido com quem nos faz bem, os projetos que nunca saem da gaveta porque “hoje não dá”. 
 
    Talvez a gente precise reaprender a diferenciar barulho de valor. Nem tudo que apita merece nossa atenção imediata. Nem tudo que se cala pode esperar. 
 
    A vida não vai avisar quando o importante estiver indo embora. Ela simplesmente fecha a porta. 
 
Crônica: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 1 de maio de 2025

2073 - O outro lado

    O som. 
 
    Não foi uma explosão. Nem um trovão. Foi algo mais profundo. Como um estalo no coração da realidade. 
 
    As luzes piscaram. O ar ficou denso. O chão pareceu tremer, mas ninguém caiu. 
 
    E quando saíram do outro lado da caverna... 
 
    ... o céu não era mais o mesmo. 
 
    A vegetação estava cinza. O vento queimava a pele. Não havia sinal da van. Ou dos outros grupos. 
 
    Eles haviam atravessado. 
 
    Mas para onde? 
 
    Ou talvez, para quando? 
 
Em Breve! 
 
2073 - Ecos da Caverna 
(Odair José da Silva)

2073 - O início do fim

    “A primeira rachadura não foi no tempo, foi nos olhos de quem viu demais.” 
 
    Cáceres, MT. 
    5 de maio de 2025. 
    6h37 da manhã. 
 
    O céu ainda era céu. 
 
    A van da escola particular cortava a BR-364 rumo a Curvelândia, entre música baixa, vozes sonolentas e o chiado dos pneus na estrada de asfalto. 
 
    O professor Elias estava ansioso. 
 
    Não pela caverna — já conhecia aquele lugar de excursões passadas — mas pelos alunos. Aquele grupo tinha algo diferente. Como se cada um carregasse um fio de uma tapeçaria maior do que eles podiam imaginar...
 
Em breve! 
 
2073 - Ecos da Caverna
Odair José da Silva