Havia um tempo em que os livros eram meu esconderijo favorito. Não que o mundo lá fora fosse insuportável, mas o de dentro — o das páginas amareladas, das palavras alinhadas como soldados de um exército gentil — era infinitamente mais fascinante.
Lembro-me da infância como se fosse um parágrafo bem escrito: cheia de imagens, sons e um silêncio confortável. Era ali, entre as estantes altas da biblioteca da escola ou nos cantos esquecidos do meu quarto, que eu encontrava o que os outros chamavam de “solidão”. Eu chamava de aventura.
Tinha algo de sagrado no ato de abrir um livro. Como se ao folhear suas páginas, eu estivesse mexendo em um relicário de vozes antigas. Algumas histórias falavam comigo de um jeito que nenhum adulto conseguia. Outras pareciam adormecer junto comigo, com a última frase lida ecoando no escuro como uma canção de ninar.
Hoje, passo os olhos pela estante com a mesma ternura de quem folheia um álbum de fotografias. Reconheço ali pedaços meus — o garoto que acreditava em dragões, o adolescente que se apaixonou por palavras difíceis, o adulto que ainda se emociona com finais tristes.
O curioso é que não sinto apenas saudade das histórias. Sinto saudade de quem eu era enquanto as lia. Do silêncio da tarde, do cheiro de papel velho, da sensação de estar em dois lugares ao mesmo tempo: aqui, e onde quer que a história me levasse.
Há livros que nunca mais reli, mas que vivem comigo como cicatrizes bonitas. Sei de cor certas frases, como se fossem promessas sussurradas por um velho amigo. Porque é isso que os livros são, no fim das contas: amigos de alma, guardiões de quem fomos e mensageiros de quem podemos ser.
Talvez a maior nostalgia de quem ama os livros seja essa: não da história em si, mas do tempo em que ler era a nossa maneira mais pura de existir.
Crônica: Odair José, Poeta Cacerense
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