Nas proximidades da cidade havia um morro que todos chamavam de Pedra Grande. Um pedaço de rocha esquecido entre mato e silêncio, mas para eles, era território sagrado.
Quatro adolescentes. Quatro histórias emboladas de risos, cicatrizes, e promessas mal planejadas.
Lucas era o líder improvisado, sempre com ideias que começavam com "E se a gente...?". Tainá era a voz da razão que, mesmo reclamando, nunca deixava de ir. Rafa, o contador de piadas ruins, fazia questão de transformar qualquer momento sério numa comédia de mau gosto. E Léo, o mais quieto, o que observava mais do que falava.
Naquela tarde de julho, o vento parecia um aviso. Já era quase noite quando eles chegaram no topo da Pedra Grande. Tinham levado refrigerante, um saco de salgadinhos e um gravador velho que Léo insistira em levar "para registrar o momento", mesmo que ninguém mais soubesse como funcionava aquilo direito.
Sentaram em roda, com as pernas cruzadas e a seriedade forçada que só adolescentes conseguem ter quando decidem fazer algo “para sempre”.
Lucas tirou do bolso uma faca sem ponta, dessas de passar manteiga. Com ela, arranhou as iniciais de cada um na pedra: L, T, R e outro L.
— A gente jura, aqui e agora — começou ele, com a solenidade de quem estava assinando um tratado de paz mundial — que, aconteça o que acontecer, a gente nunca vai esquecer um do outro.
— Mesmo se a gente brigar? — perguntou Rafa, rindo antes mesmo de ouvir a resposta.
— Mesmo se a gente se odiar — completou Tainá, com um sorriso triste, como quem já sabia que o tempo prega peças.
— Mesmo se um dia a gente nem se reconhecer mais — disse Léo, olhando o horizonte, como se já enxergasse os anos passando.
Então cada um pegou um pedaço de salgadinho, molharam no refrigerante (ideia de Rafa, claro) e comeram juntos, como se fosse um ritual tribal. Gravaram as vozes dizendo o juramento, e depois riram da própria idiotice.
Naquele momento, eram invencíveis.
Mas a vida… a vida é especialista em distâncias.
Veio o vestibular. Depois, empregos, mudanças de cidade, amores que entraram e saíram sem pedir licença. Vieram as ofensas mal resolvidas, os silêncios longos, as mensagens não respondidas.
Por um tempo, a Pedra Grande ficou lá, sozinha, assistindo outros adolescentes subirem, fazerem promessas novas, apagarem as antigas com o tempo e com a chuva.
Até que, anos depois, numa tarde parecida, os quatro voltaram.
Sem combinar, sem planejar. Como se o vento tivesse chamado cada um no ouvido.
Agora com rugas escondidas, olhares mais lentos e uma coleção de cicatrizes invisíveis. Sem a velha faca, sem o gravador, sem refrigerante.
Sentaram no mesmo lugar. Leram as iniciais gastas.
1Ninguém disse nada de imediato.
Até que Rafa, com a voz mais rouca, soltou:
— A gente prometeu, né?
E todos sorriram. Não era preciso dizer mais nada.
Crônica: Odair José, Poeta Cacerense
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