"Tirem esse preto de perto de mim!". A primeira vez que essas palavras foram pronunciadas eu não as entendi. Nem poderia. Eu ainda era uma criança recém nascida. Minha mãe disse isso. Ela não quis ficar comigo. Fui, então, criado por uma tia até completar dois anos. Minha mãe teve outros filhos depois disso e, então, acabei voltando para casa. Afinal, eu nem era o mais negro da família.
"Tirem esse preto de perto de mim!". Ouvi essas palavras quando tinha mais ou menos uns onze ou doze anos. Foi em uma escola rural onde meus pais foram morar. Eu era o único negro ali e um dos filhos do capataz da fazenda não queria sentar ao meu lado no banco escolar. Claro que isso acontecia todos os dias. A maioria não queria ficar perto de mim. Nem mesmo os professores. Eu via isso. Eu sentia isso na pele o tempo todo. O que me salvou foi a bola. Um dia, faltou um dos jogadores. O treinador, sem ter opção para o jogo, pediu para que eu jogasse no lugar do faltoso. Ah! A bola! Sim. Eu sabia como dominá-la. E isso fez a diferença naquela comunidade.
"Tirem esse preto de perto de mim!". Dessa vez meu mundo desabou. Eu devia ter uns vinte anos. E estava apaixonado. Quem pode controlar as coisas do coração? Quando vi o olhar dela eu fiquei perdidamente apaixonado. Eram os olhos mais lindos que já tinha visto. Eu sentia que ela também me amava. Sim. Ela fazia de tudo para estar comigo. Mas, os meus temores se confirmaram. Quando me disse que ia me apresentar a sua família eu senti medo. "Não se preocupe", disse ela sorrindo "ninguém lá em casa é preconceituoso". Com certeza ela não conhecia bem a própria mãe.
"Tirem esse preto de perto de mim!". Não tenho palavras para expressar a minha indignação sobre o discurso de ódio daquele líder cristão. Quando entrei na igreja para ouvir sobre o amor de Deus é que vi a degradação do ser humano. Tinha já meus trinta e cinco anos e buscava algo novo para a minha vida. Cansado da vida sem sentido no mundo eu ouvi falar de Jesus e do seu amor pela humanidade. "Vem a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei" foi a mensagem que tocou meu coração ao ouvir um grupo de crentes reunidos na praça naquela tarde de domingo. Eu queria ouvir mais. "Se você quer ouvir mais de Jesus vá no culto desta noite na nossa Igreja".
Não me deixaram sentar nos bancos apesar das vagas que tinha em alguns. Um senhor colocou uma cadeira no corredor da igreja para que eu me sentasse. Notei a insatisfação no olhar do pregador naquela noite. "O castigo de Deus sobre Caim foi mudar sua pele!" "Deus expulsou Cam, o neto de Nóe e o enviou para a África, esse foi o castigo!" "A maldição de Deus está sobre esse povo infiel, idólatra e feiticeiro!". Não acreditei que estivesse ouvindo tudo isso. Deus não poderia ser assim. Nunca!
O meu consolo veio na bondade de uma mulher já de idade que ao ver a minha aflição teve o entendimento que aquele "falso profeta" não tinha. Ela me abraçou. Sua pele alva como a neve contrastava com a minha. Senti o calor do seu corpo e as batidas do seu coração. "Deus, meu filho", disse ela ao meus ouvidos, "não faz acepção de pessoas". Olhou em meus olhos e pude ver o amor sincero nos olhos dela. "Jesus morreu na cruz para salvar todos os homens independentemente de sua cor, raça ou nacionalidade".
Texto: Odair José, Poeta Cacerense
Muito bom, parabéns meu irmão.
ResponderExcluirUma frase que trago comigo é a seguinte: " "O negro tem que ser 300% maior em competência para estar no mesmo nível de um branco que ocupa a mesma função que ele". A verdade é que nunca achei alguém que concorde comigo, é claro, olhe meu rosto.
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