Sarah tinha 16 anos e um mundo inteiro dentro da mochila. Livros de capa dura, brochuras com páginas amareladas, contos de dragões e piratas, romances de outros séculos... tudo isso era seu tesouro. Ela amava a leitura como outros amam o sol: era seu alimento e seu refúgio. Seu lugar favorito no mundo era a Biblioteca Municipal, um prédio antigo com janelas compridas e cheiro de papel envelhecido.
Em uma tarde chuvosa, depois da escola, Sarah decidiu visitar a sala de livros raros, um lugar pouco frequentado até mesmo pelos bibliotecários. Enquanto caminhava pelos corredores, ouviu um leve zumbido vindo de uma porta entreaberta ao fundo, uma que ela nunca tinha reparado antes. Curiosa, empurrou com cuidado e entrou.
Assim que cruzou o limiar, sentiu o chão desaparecer sob seus pés.
Ela acordou em uma praça estranha, cercada por prédios baixos e modernos, mas tudo ali parecia... artificial. As pessoas andavam de maneira apressada, com pequenos dispositivos reluzentes presos ao pulso, e nenhuma delas carregava um livro, revista ou sequer um papel de bala com palavras.
A jovem procurou por uma biblioteca, uma livraria, qualquer coisa. Nada. Ao perguntar a um senhor onde ficava a biblioteca mais próxima, ele franziu a testa e perguntou:
— "Biblioteca? O que é isso?"
Sarah ficou pálida. Ninguém naquela cidade conhecia os livros. Ninguém lia. Tudo era transmitido diretamente para a mente por dispositivos – imagens, sons, comandos. A linguagem escrita havia sido esquecida, considerada "obsoleta".
Determinada, Sarah se recusou a aceitar aquele mundo sem histórias. Começou a desenhar letras no chão, nas paredes, em papéis que ela mesma fabricava com restos de materiais que encontrava. Aos poucos, algumas crianças começaram a se interessar.
— "O que é isso?" — perguntavam, fascinadas ao vê-la copiar frases dos livros que lembrava de cor.
Ela ensinava o alfabeto como quem oferece magia. Escreveu um conto curto em uma parede: “Era uma vez uma menina que descobriu outro mundo através de uma porta escondida...” As pessoas passavam e liam, sem entender direito, mas algo despertava nelas.
Logo, ela atraiu atenção. A “Reprogramação Central” viu aquilo como uma ameaça ao sistema. Sarah foi convocada por autoridades que a advertiram:
— "As histórias causam emoções desnecessárias. Desejos. Conflitos. Não podemos permitir isso."
Mas Sarah não recuou.
Antes que pudessem apagar tudo que ela havia escrito, as crianças da cidade — já apaixonadas pelas palavras — começaram a proteger seus “livros de parede”, copiando e espalhando os textos. Era impossível parar. A chama havia sido acesa.
Numa noite, enquanto observava a lua, Sarah sentiu o mesmo zumbido da porta da biblioteca. Um brilho surgiu no chão ao seu redor. Ela entendeu: a porta estava se abrindo de novo.
Antes de partir, escreveu sua última frase num muro alto da praça central:
“Os livros não são feitos de papel. São feitos de mundos. E onde houver alguém disposto a imaginar, eles existirão.”
Sarah acordou deitada no chão da sala de livros raros. Ao seu redor, tudo estava igual, mas dentro dela algo havia mudado. Ou melhor: renascido mais forte.
Ela começou a escrever. Não apenas para si, mas para os outros. Contou tudo o que viveu naquele lugar estranho, onde os livros não existiam. Seu relato virou um livro.
E esse livro... você pode encontrar hoje na prateleira da sala de literatura fantástica da Biblioteca Municipal, com um aviso especial na capa:
“Este livro pode conter portas para outros mundos.”
Conto: Odair José, Poeta Cacerense