segunda-feira, 18 de maio de 2020

O esconderijo



Olhou-o assustado. Mas, o susto não foi maior do que a expressão de desespero no rosto do rapaz. Ele tinha uma fisionomia tomada pelo assombro. Com certeza havia feito alguma coisa grave e estúpida. Se não fosse isso o que poderia ser? 
- O que aconteceu? - Indagou a ele enquanto ajeitava o balde de leite sobre a mesa de madeira. Soltou a peia da vaca e o bezerro logo meteu a boca nos peitos sugados dela na esperança de ainda encontrar o seu alimento. 
- Acho que fiz uma besteira! - Disse ele. 
- Outra né? 
- Quê? 
- Se fez uma besteira, essa é outra de suas besteiras. Só vive fazendo besteira mesmo. 
- Poxa tio, isso não é hora de falar essas coisas. Preciso é de ajuda. 
Terminou de soltar as vacas do curral enquanto observava o rapaz que havia sentado em um tronco próximo do curral. Espantava alguns insetos que se deliciavam com o esterco das vacas. O que será que esse indivíduo havia aprontado dessa vez? Era o sobrinho mais problemático e sempre causava confusão para a família. 
- Me diga o que fez dessa vez. - Falou ao sentar perto do jovem. 
Olhou para os lados. Parecia que procurava ver se alguém mais o vigiava. 
- Eu matei a Isa! 
- Matou a Isa? Como assim? - não acreditava no que estava ouvindo. 
Isadora, mais conhecida como Isa era uma garota ruiva que ele havia apresentado a família a pouco mais de um mês em um churrasco que fizeram no final de semana. 
- Peguei ela com outro cara e matei os dois. 
- Peraí! - Exclamou se levantando – então você não matou só a Isa, você matou duas pessoas? 
- É. 
- É? Você diz é? 
Houve um minuto de silêncio. Olhou para a capina e seguiu o olhar para as vacas que já pastavam tranquilamente. Olhou para a casa e viu a mulher acenando para ele. Tinha que levar o leite para as crianças. 
- Olha! - Disse então – vamos tomar café e depois a gente resolve essa situação. Não fale nada para a Vina e nem demonstre algo perto das crianças. Vou pensar alguma coisa e depois conversamos. 
Terminaram de tomar o café com leite e pão com torradas. As crianças brincavam na varanda. A esposa foi preparar o almoço. Selou dois cavalos e falou para a esposa: 
- Vamos dar uma volta no pasto e voltamos para o almoço. Faz o frango. Marcelo gosta muito do peito. 
O jovem deu um sorriso meio sem graça. Será que o tio não sabia a angústia que estava no seu coração? 
Começaram a cavalgada. O sol já estava bem quente. Caminharam um pouco e pararam sob as frondosas folhas de uma árvore. Encontraram dois troncos e se sentaram. O tio olhou nos olhos do sobrinho e falou. 
- Quero que me diz como tudo aconteceu. Não me esconda nada. Se mentir para mim não vou te ajudar. 
Olhou para o tio. O olhar era aterrador. No fundo sentia medo. Estava confuso com tudo que acontecera com ele naquela noite. 
- Então – disse ele por fim – descobri que aquela vaca estava saindo com outro cara. Meu sangue ferveu. Segui os dois ontem a noite e peguei eles no flagra. Puxei ela pelos cabelos e o cara reagiu. Dei duas facadas nele. Quando ele caiu eu vi que ela ia gritar então cortei a garganta dela também. 
Não acreditava no que estava ouvindo. O sobrinho contava essa atrocidade e nem esboçava um arrependimento. Percebeu que ele só queria se livrar da punição pelo seu crime. Por isso o procurara. 
- E onde foi isso? 
- Foi em um terreno baldio perto da prefeitura. Os dois foram se encontrar no meio do mato. Você acredita nisso? 
Não sabia o que dizer. 
 - Quer dizer que ninguém sabe ainda? 
- Eu acho que não. 
- Quando foi isso? 
- Essa noite. 
Fez uma pausa e silenciosamente começou a refletir sobre o que aquele jovem havia feito. Como um filme voltou em sua mente o crime que ele havia cometido a pouco mais de dois anos antes. Como dessa vez o jovem o procurara porque tinha assassinado um jovem em uma rua deserta da cidade após uma discussão em um baile. Naquela ocasião deu guarida ao sobrinho. Escondeu-o por um tempo na fazenda e o ajudou a encobrir o crime uma vez que não houve suspeita de que tinha sido ele. 
Marcelo era filho de seu irmão que havia falecido em um acidente de trânsito a alguns anos. Cuidara do garoto até ter seus quinze anos. Mas o garoto nunca quis viver na fazenda. Ao ir para a cidade logo se envolveu com gangues e outras atividades ilícitas. Aos dezessete cometera o crime. Agora as vésperas de completar seus vinte anos ele faz isso. O que fazer? 
- O senhor tem que me ajudar, tio. 
- Está bem! - Disse após uma breve pausa. Respirou fundo e completou: 
- Você vai almoçar e depois vai se esconder no esconderijo. Vou até a cidade pegar um dinheiro e ligar para minha irmã em Minas Gerais para você ir para lá. Enquanto isso fica no esconderijo. 
Ele sabia do que o tio estava falando. O esconderijo era uma moita enorme de bambus que ficava próximo de um pântano nos fundos da fazenda. Já havia se escondido lá da primeira vez. 
- Está bem! - Concordou com a cabeça. 
- Mas tem um detalhe – disse ao subir no cavalo. 
- Sim? 
- Após o almoço saímos os dois e vamos até a encruzilhada. De lá vou para a cidade e você volta para o esconderijo. A sua tia e as crianças tem que pensar que você voltou para a cidade. Não quero que eles saibam de nada. 
- Tudo bem! 
Enquanto caminhava em direção a cidade seus pensamentos o atormentavam. Como um jovem que tem toda a vida pela frente faz uma besteira dessas? O que passa na cabeça de uma pessoa dessas? Não conseguia compreender. 
Marcelo chegou até o bambuzal. Ajeitou um local com as folhagens e deitou. O tio havia dado-lhe um cobertor o qual colocou como travesseiro. 
- Não sei se consigo chegar de dia – Disse ao se despedir – então vê se se esconde bem e proteja-se. 
Não sabia porque, mas uma sensação estranha tomou conta de seu coração ao ver o tio se afastar em direção a cidade. Meneou a cabeça. Não deve ser nada, pensou ao se deitar. Vou fugir para Minas Gerais e está tudo bem. Estava cansado e dormiu. 
Ouviu o estalo de um galho. Despertou assustado. Tudo estava escuro. Havia dormido muito e já era noite. Tentou se acostumar com a escuridão para ver se enxergava alguma coisa. Poderia ser seu tio voltando da cidade. 
- Mãos ao alto! Você está cercado! - Ouviu o grito – Aqui é a Polícia! 
Luzes se acenderam e ele se viu cercado por dezenas de policiais. Não tinha como reagir. Correr como? Sentiu as algemas prendendo seus braços. Conduzido a viatura olhou de relance o tio. Havia sido entregue. 
O julgamento foi rápido. Acusado de três crimes pegou trinta anos de prisão. Ao ser colocado em sua cela olhou para os outros prisioneiros. Todos sabiam sobre ele. Houvera muita repercussão na mídia. Então havia um temor. Pelo menos foi o que sentiu ao ser jogado naquela cela. Em sua mente só passava uma coisa: o dia em que ia sair da prisão. O tio pagaria caro pela traição. 

Odair José, Poeta e Escritor Cacerense

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