Ele despertou no fim de uma tarde imóvel.
A luz atravessava a janela como uma lâmina cansada, cortando o ar em fragmentos de ouro morto.
Diante dele, o espelho.
Velho, manchado, quase vivo.
A princípio, viu-se como sempre — rosto, rugas, o cansaço das horas.
Mas havia algo além.
Um brilho no olhar que não era dele,
um reflexo que o observava de volta, como se o tempo o espreitasse por dentro.
Aproximou-se.
Os olhos que o fitavam pareciam carregar séculos,
como se já tivessem visto nascer e morrer todas as mentiras.
E então compreendeu:
aqueles olhos eram os seus — apenas mais antigos, mais lúcidos, mais tristes.
O espelho não mentia.
Era ele quem acreditava na mentira do tempo,
quem vestira o disfarce dos dias para não encarar o próprio vazio.
Ali, diante de si, viu a verdade que o tempo oculta:
não há envelhecimento, apenas esquecimento.
Não há futuro, apenas repetição.
O tempo não anda — ele gira, e nos arrasta em seu engano.
Quando saiu, o espelho permaneceu em silêncio,
como se soubesse que logo outro viria buscar nele a mesma ilusão.
E os olhos do homem, agora abertos demais,
já não sabiam se viam o mundo, ou se apenas o lembravam.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense