domingo, 8 de outubro de 2023

Crônicas de ontem a noite (Parte III)

    Filmes de terror tem a sua magia. Primeiro eles te prendem quase que o tempo todo. É inevitável o calafrio na barriga ao ver a noção de perigo que os personagens estão passando. Parece que você quer avisar para não entrar naquele beco, ou não ir ver o que está escondido no escuro da mata. Mas, não adianta. A vítima sempre vai a esses lugares. É impressionante o quanto você pode fazer uma alusão com a própria vida que vivemos. Será que não corremos esse tipo de perigo o tempo todo? Será que conhecemos a pessoa que está sentada ao nosso lado? Quem garante que não é um psicopata assassino que pode nos esfaquear na menor bobeada que demos? Esses eram o tipo de pensamento que passava em sua cabeça enquanto o filme rolava na tela. Vez ou outra a garota dava um suspiro e encostava nele como se o quisesse abraçar e sentir a sua proteção. Curioso isso e talvez ela tenha se contido um pouco mais depois que dissera que não gostava de conversar durante o filme. Não gostava mesmo, mas não devia ter dito isso a ela na primeira vez que ia assistir um filme com ela. Ou deveria? Sua mente estava confusa. Sentia-se um adolescente naquele cinema. Aliás, a maioria das pessoas assistindo esse filme era adolescente. Outra coisa que não conseguia entender. Por que adolescentes são fascinados por filmes de terror? Quanto mais violento e sanguinário, mas eles se divertem. Deve ser por isso que a sociedade está tão violenta. Estava absorto em seus pensamentos que só voltou a si no momento em que ela o abraçou toda arrepiada. "Nossa! Isso me deu medo". Sentiu o seu cheiro outra vez e o toque suave de sua pele tão macia. Uma beldade. Sorriu para ela. "Isso é assim mesmo". "Você não tem medo? Não se assusta?" Ela fez as perguntas com uma voz bem baixinha e quase tocando os seus ouvidos o que o fez arrepiar-se todo. 

    Ela segurou em suas mãos ao saírem do cinema. Mesmo sentindo-se desconfortável não achou prudente soltar-lhe as mãos. Ou ela era muito ingênua e inocente ou realmente estava gostando da sua companhia e não ligava para essas coisas de preconceitos existente em nossa sociedade. Algumas jovens a cumprimentaram e acenavam para ela que sempre sorria. Algumas pessoas o cumprimentaram e ele se mantinha sério e com o semblante fechado. "Você está se sentindo a vontade?" A pergunta dela o constrangeu. Não esperava. "Sim! Estou de boa." Ela sorriu e dessa vez ele reparou em seus olhos. Eram lindos e cheios de vida. A sua alegria não era fingimento e nem improvisada. Ela realmente parecia muito feliz. A sua alegria era contagiante, singela e verdadeira. Ela estava muito feliz. Temeu por isso. Não gostaria nunca de fazer ela perder essa alegria. Mas, sempre havia decepcionado as mulheres. Sempre as fizera chorar. O que fazer agora? E se ela realmente estivesse gostando dele? Poderia correr o risco de a decepcionar também. E não queria, jamais, se sentir responsável por vê-la triste. Então, talvez o melhor seja levar ela em casa e nunca mais a ver. Mas, isso não é uma covardia? Isso não é correr do destino? Como pode pensar uma coisa dessa? "Você vai embora agora?" A pergunta dela trazia em si algumas complicações. Gostaria de ficar mais tempo com ela. De ouvi-la sorrir e contar suas histórias. Mas, e se ficasse tarde? E seus pais? "Que horas você deve chegar em casa?" Já que era assim, ia responder com outra pergunta. "Ah! Eu não tenho problema com isso não. Meus pais são de boa. Quando você quiser me levar, está bom." 

    Esse era um espaço que ela não conhecia ainda. Foi o que ele notou quando sentaram-se na petiscaria para comerem um frango frito. "Legal aqui" Disse ela ao sentar. "Nunca vim aqui". Enquanto esperavam o pedido que havia feito ela, depois de falar um pouco sobre o filme que acabaram de assistir, lhe contou alguma coisa sobre seus estudos. Estava em dúvidas do que fazer. Direito porque seus pais eram da área de Humanas. A mãe era delegada e o pai era policial. Um detalhe muito interessante que o perturbou um pouco. Psicologia porque era o que desejava fazer na vida. "Estou quase a um ano nessa dúvida. Já era para ter entrado na Faculdade, mas estou em dúvidas". A preocupação dela era em qual área seguir e a dele era em saber que ela era filha de policiais. Provavelmente da mesma idade que ele e, quem sabe, até mais novos. Isso pode dar merda. Pensou. E, por algum momento, não conseguiu disfarçar sua preocupação. "O que foi?" Ela havia notado. "Eu disse alguma coisa que você não gostou?" "Seus pais são policiais?" "Ah! Sim. Mas pode ficar de boa. Eles não são chatos a ponto de interferir nas minhas escolhas". "Devem ter a mesma idade que eu tenho ou quem sabe até menos!" "Sim! Mas o que importa isso?" "É, você tem razão." Não queria estragar a noite da garota. Ela estava tão feliz que não tinha o direito de deixá-la triste por causa de seus medos infundados. Ou será que não eram tão infundados assim? A barca de frango e batatas fritas chegou na mesa e começaram a comer. "Nossa!" Exclamou ela. "Que delícia! Como eu ainda não sabia desse lugar?" Sorriu para ela. "Posso te fazer uma pergunta?" Ela olhou para ele com aquele olhar de pura sedução. "Pode sim". "Por que se interessou por mim?". O que esperar da resposta dela? Mas tinha que fazer essa pergunta. Não é comum uma garota jovem como ela se interessar por um coroa como ele. Precisava saber senão ficaria louco. "Isso é muito óbvio!" Ela sorriu como se entendesse a angústia dele. Como se quisesse brincar com suas preocupações. "Então diga-me!" Ela olhou para ele. Agora um pouco séria e por alguns segundos que, para ele, pareceu uma eternidade sustentou o olhar fixo no dele. "Por causa dos livros!" 

Continua...

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