Interrompeu-os quando folheavam alguns livros. O Professor segurava um em suas mãos. Parecia que havia encontrado um tesouro.
- Sentem-se que vou contar-lhes parte da minha história - Disse Milena.
Quando todos se acomodaram ela olhou nos rostos de cada um na ordem. O Professor, Duda a sua esquerda, Carol, Ícaro, Professora Soraia, Giovana, Luara, Pedro e Júlia. O semblante de cada um era de curiosidade pelo que estava por vir.
- Eu nasci na Fortaleza. - Disse a mulher de cabelos dourados - A Fortaleza é uma região cercada por altos muros e cercas, além de um fosso com os "jacarés", onde ficava, antes da destruição, o Iate Club. Pelo menos é isso que nos ensinaram na infância.
Notou o espanto em cada olhar e salientou:
- Peço que tenham bastante atenção e paciência porque senão não entenderão muita coisa.
Fez mais uma pequena pausa e notou que, apesar de toda curiosidade, todos estavam em silêncio. O Professor até desejou que essa fosse a postura de seus alunos em sala de aula quando falava.
- Eu nasci e cresci na Fortaleza. - Milena continuou sua explicação - Então, não sabia muito do mundo aqui fora. Lá dentro da Fortaleza é proibido falar sobre o mundo aqui fora. O que se sabe é por meio clandestino e alguns livros que são encontrado escondidos em algum lugar.
- Por que? - Indagou Pedro. Todos olharam para ele com aquele olhar de reprovação. - Desculpa pessoal. É a minha curiosidade.
- Deixa ela explicar! - Retalhou Giovana.
- Pessoal - Disse o Professor - Vamos deixar que a moça conte a sua história e, depois, tiramos as dúvidas.
Todos concordaram e Milena, com o seu leve sorriso no rosto, continuou.
- Na Fortaleza livros são proibidos. Só podem existir os livros oficiais. Qualquer literatura como essa que vocês podem ver aqui, lá foram destruídas e, caso alguém é pego com algum livro que não os registros oficiais é condenado a morte. No começo, minha mãe me contou, morreram muitas pessoas e muitos livros foram queimados. Depois a nova geração acabou se adaptando e quase ninguém ousa desafiar o sistema.
Fez uma pequena pausa para beber água.
- Então, quem mora na Fortaleza não sabe nada sobre o mundo aqui fora. Apenas o que estão nos registros oficiais e eles mentem sobre tudo. Por isso, ninguém ou quase ninguém ousa sair da Fortaleza e arriscar a vida aqui fora. Eu vivi na Fortaleza até os meus 19 anos quando fiquei grávida. Foi uma gestação de risco e não sabíamos muito o que fazer. Quando tive contrações, o que foi antes do tempo, os médicos fizeram o meu parto e se surpreenderam porque eu tive três filhos, dois meninos e uma menina. Isso é ilegal lá dentro. Qualquer casal só pode ter um filho ou filha. É lei. Antes de mim apenas uma outra mulher havia tido gêmeos e o que nasceu depois do primeiro foi morto. Eu fiquei com muito medo porque não queria que meus filhos fossem mortos. Então pedi ajuda de uma enfermeira e consegui fugir com meus dois filhos que nasceram depois do primeiro, um menino e uma menina.
O olhar de todos eram de perplexidade e o silêncio era estarrecedor. No entanto, borbulhava perguntas nos pensamentos de todos.
- Explico - Continuou a mulher - Quando nasce o filho de qualquer casal lá dentro ele é separado da mãe e criado por tutores e pedagogos desde pequeno. Os pais só podem vê-los uma hora por dia até a adolescência e depois são liberados para conviverem no mesmo ambiente, caso os filhos queiram. A maioria já tem destinos escolhidos. Meninos, normalmente, são soldados, lutadores, esportistas e cientistas. Meninas, normalmente, treinadas para serem donas de casa e, algumas, com dotes extraordinários, são liberadas para serem cientistas ou educadoras.
- Caramba! - Exclamou Ícaro - Parece que estamos mesmo em um filme de ficção científica.
Milena sorriu, bebeu mais um gole de água e continuou.
- Meu primeiro filho já havia sido levado pela equipe médica e os outros dois deixados para serem mortos. Um grupo de pessoas são responsáveis por esse trabalho e como são casos raros, normalmente leva tempo para encontrá-los. Nesse tempo, pedi ajuda de uma colega enfermeira e fugi com meus dois filhos atravessando uma passagem secreta que havia naquele tempo e que havíamos descobertos quando ainda éramos jovens curiosos.
- Que história mais fantástica! - Suspirou Luara.
Milena concordou com a cabeça. Podia se perceber o quanto ela havia gostado da jovem de cabelos ruivos.
- E o que aconteceu com seus filhos? Onde eles estão? - Indagou Carol.
- Estão por ai, eu acho - Milena deixou escapar um profundo suspiro de emoção - Faz tempo que não os vejo. Cuidei deles até ficarem adolescentes. Corremos muitos perigos aqui fora, mas aprendemos a sobreviver. Depois de jovens cada um queria fazer uma coisa diferente. Paulo Henrique, meu filho, que chamo de PH, decidiu que queria conhecer o que existe nesse mundo e saiu, mesmo com meus protestos, a se aventurar por ai. Faz muito tempo que não sei o seu paradeiro. Isabela, minha filha, que chamo de Isa, estava comigo a uns dois anos atrás quando nos deparamos com um jacaré desgarrado e tentamos fugir dele nos separamos. Eu fui picada por um marimbondo cavalo e quase morri. A Isa eu não sei para onde foi. Saio, as vezes, para a procurar, mas não consegui ir muito longe.
Milena deixou se levar pela emoção e lágrimas saíram de seus olhos. Luara levantou e a abraçou sendo seguida por Soraia e as outras meninas. Alguns minutos depois, após beber mais um pouco de água, ela se recompôs e agradeceu o carinho das meninas. Luara continuou abraçada com ela.
- Mas tenho esperança de encontrá-los em breve. PH é muito esperto e um exímio caçador. Aprendeu muito bem a sobreviver aqui fora. A Isa também é muito inteligente. Uma exímia caçadora e usa o arco como ninguém. Creio que ela está bem em algum lugar e em breve vamos nos reencontrar.
- E o seu filho que ficou lá dentro da Fortaleza? - Indagou o Professor - Você tem ou teve alguma notícia ou informação sobre ele?
Milena gesticulou com a cabeça com um sinal de positivo.
- Há uns dez anos eu encontrei um homem ferido que havia fugido da Fortaleza e ele, antes de morrer, me contou sobre o menino. Disse-me que era um garoto esperto, que já treinava para ser soldado, era muito inteligente e destemido. Recebeu o nome de Hércules. - Fez uma pequena pausa - bem sugestivo, né. No entanto, de acordo com o homem, ele não devia saber nada sobre mim porque, provavelmente, os tutores não revelariam algo assim para o garoto.
- Poxa vida, que triste! - Exclamou Duda.
- Creio que estão com mais dúvidas ainda né? - Disse Milena e todos concordam com a cabeça.
- Essa Fortaleza, pelo que entendi, não deve ficar muito longe daqui não, né? - Quis saber o Professor - O que é essa Fortaleza e o que tem lá que é diferente daqui?
- Eu fiquei curioso com os "jacarés" - Disse Soraia - Pela sua explicação, não me pareceu jacarés normais. Tem alguma coisa haver com a cobra de asas que vimos hoje?
- Que perigos existem aqui e o que aconteceu com este mundo? - Indagou Duda.
Milena abriu um singelo sorriso e falou.
- Sei que trata-se de muitas informações. Vou falar tudo o que sei amanhã. Mas agora vamos dormir porque não podemos perder nenhuma noite de sono.
Se acomodaram como puderam e deitaram. O silêncio reinava naquele lugar. Milena apagou a lamparina que iluminava o ambiente e eles puderam ouvir o som do ventos nas folhas, e, se esforçassem um pouco mais, podiam ouvir o som das águas do rio. O Professor havia colocado o livro que encontrara debaixo de travesseiro que havia feito. Esse livro para ela tinha muito significado e iria ler quando tivesse luz. No entanto, o que mais o intrigava em toda essa história era a Fortaleza. O que era essa Fortaleza?
2073 (By Odair José da Silva)
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