domingo, 2 de novembro de 2025

As 7 pragas na Praça Barão - As formigas

    A sexta-feira começou como todas as outras. O calor de Cáceres grudava na pele, o cheiro do rio misturava-se ao da carne nas porções, e a Praça Barão era o ponto de encontro inevitável — o coração pulsante de uma cidade que fingia estar viva. 
 
    Pais empurravam carrinhos de bebê, adolescentes tiravam fotos em frente à fonte, e os garçons corriam entre mesas e risadas. Mas havia algo diferente no ar — um zumbido surdo, como se o chão murmurasse. 
 
    O primeiro a notar foi Henrique, um menino de oito anos, curioso e inquieto, de olhos atentos a tudo que se movia. Ele brincava perto do cais, empurrando um carrinho de brinquedo quando viu algo subir pelo parapeito de pedra. 
 
    Formigas. Pequenas, pretas, brilhantes como carvão molhado. 
    — Pai, olha! — disse ele, puxando a barra da calça do homem. — Elas estão vindo da água! 
 
    O pai riu. 
    — Da água, filho? Formiga não mora em rio. 
    Mas o menino insistiu. E quando os dois olharam de novo, o chão parecia respirar. 
 
    De cada fenda, de cada rachadura entre os paralelepípedos, saíam dezenas, centenas… milhares de formigas, formando trilhas negras que se espalhavam em direção às mesas, às barracas, às pernas das pessoas. 
 
    Em poucos minutos, a Praça Barão virou um tabuleiro vivo. 
 
    As pessoas primeiro acharam engraçado, depois incômodo — até que as primeiras picadas começaram. Um homem tropeçou, gritando. Uma mulher caiu, arranhando os braços, enquanto as formigas subiam por debaixo do vestido. Alguém tentou varrê-las com um pano. Outro jogou água. Nada adiantava. 
 
    Elas avançavam, coordenadas, como um exército invisível seguindo ordens. E então começaram os gritos. 
 
    Alguns caíram no chão, tremendo, os olhos revirando — as picadas se tornavam queimaduras, e a pele inchava de forma grotesca. O caos tomou conta da noite. Os bares fecharam às pressas, e a praça virou cenário de fuga. 
 
    Henrique foi arrastado pela mãe, chorando, enquanto via as formigas cobrirem os bancos, o chão, os sapatos, os corpos. O som das sirenes chegou tarde demais. 
 
    Mais tarde, no hospital, uma médica comentou baixinho com uma enfermeira: 
    — Elas não são comuns. São de espécies diferentes, todas juntas… isso não acontece na natureza. 
    A enfermeira perguntou: 
    — Então o que é isso? 
    A médica olhou pela janela, o céu escuro, e respondeu: 
    — Talvez a natureza tenha lembrado do que a gente esqueceu. 
 
    Na manhã seguinte, a praça foi isolada. As televisões falavam em “ataque atípico de insetos”. Mas, perto do cais, Seu Adão observava tudo de longe, encostado em sua bengala. A fenda no chão estava maior — um rasgo fino, escuro, onde a terra parecia pulsar. Ele sorriu com tristeza e murmurou: 
    — A primeira já veio. Faltam seis. 
 
Continua... 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense