quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O Último Culto

    José Augusto era um homem simples, obreiro dedicado da pequena igreja no bairro onde morava. Sua vida sempre fora marcada pela devoção a Deus e pela busca incessante de uma conduta irrepreensível. Ele acreditava que, independentemente das tribulações, manter-se firme na fé era um chamado divino, uma missão que ele deveria cumprir até o último instante. 

    Naquela semana, entretanto, a pressão parecia insuportável. Problemas no trabalho, discussões familiares e um inesperado diagnóstico de saúde trouxeram uma onda de angústia que ameaçava sua paz interior. Na quarta-feira, enquanto revisava as cadeiras do templo antes do culto, sentiu uma pontada no peito que o fez parar por um instante. Respirou fundo, fez uma oração silenciosa e seguiu com o trabalho. “O Senhor é a minha força”, repetia a si mesmo. 

    O último culto da semana era sempre especial para José Augusto. O culto de domingo à noite tinha um ar solene, como se aquele momento fosse o ponto alto de sua semana. Mesmo cansado e aflito, ele não abriu mão de preparar o ambiente com zelo. A cada banco ajustado e cada hino ensaiado, sentia a presença de Deus renovando suas forças. 

    Naquele domingo, o pregador trouxe uma mensagem impactante sobre o fim dos tempos. As palavras ecoaram com uma força especial no coração de José Augusto: “Vigiai, pois não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do Homem virá”. Ele sentiu como se aquela pregação fosse direcionada a ele. Durante o apelo final, enquanto o pregador clamava para que os presentes se entregassem de corpo e alma a Deus, José Augusto foi tomado por uma profunda paz. Fechou os olhos e deixou uma lágrima escorrer pelo rosto. “Senhor, minha vida está em tuas mãos”, sussurrou. 

    Ao chegar em casa, depois de um longo dia de dedicação, José Augusto sentiu o corpo pesar. Fez sua última oração ao lado da cama, agradecendo a Deus por ter sustentado sua fé, apesar das dificuldades. "Pai, obrigado por me manter de pé. Que eu esteja preparado para te encontrar, seja quando for o momento." Deitou-se e sentiu o coração tranquilo, como há muito não sentia. 

    Na manhã seguinte, quando a família o chamou para o café, perceberam que ele não respondia. José Augusto havia partido durante o sono, serenamente, como quem foi recolhido pelo próprio Deus. A expressão em seu rosto não deixava dúvidas: ele encontrara a paz eterna. 

    A igreja lamentou sua perda, mas o exemplo de fé e perseverança de José Augusto ficou gravado no coração de cada irmão. O culto seguinte foi marcado por testemunhos emocionantes sobre a vida do obreiro, enquanto todos cantavam o hino favorito dele: “Mais perto quero estar, meu Deus de ti”. Sua morte, embora singela, foi um lembrete poderoso de que viver para Deus é preparar-se para encontrá-Lo a qualquer instante. 

    José Augusto viveu e partiu como sempre desejou: firme na presença do Senhor. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O amor nos tempos das gangues

    Na pequena vila de Lambari, cercada por serras e riachos e isolada do ritmo acelerado do mundo moderno, nos idos anos 80, vivia Rafael, um jovem sonhador de 19 anos. Ele passava os dias ajudando seu pai na lavoura e lendo livros que conseguia na escola local. Mas, em seu coração, havia um desejo incontrolável de algo mais. As ruas de terra e os campos sem fim pareciam pequenos demais para conter sua ambição. Rafael queria a cidade grande, queria Cáceres, um lugar que ouvia descrever como cheio de luzes, oportunidades e mistérios. 

    Um dia, com uma mochila surrada nas costas e uma nota de despedida deixada sobre a mesa da cozinha, Rafael partiu antes do amanhecer. A viagem foi longa e cansativa, na carroceria de um caminhão velho, mas quando finalmente chegou a Cáceres, a vastidão da cidade o deixou sem fôlego. Casarões antigos imensos, carros passando a toda velocidade e muitas pessoas pelas ruas que pareciam não parar nunca. 

    Os primeiros dias foram de encanto e desorientação. Rafael encontrou trabalho como ajudante em uma mercearia e alugou um quartinho em uma pensão simples nas proximidades da velha rodoviária. Enquanto caminhava pelas ruas após o trabalho, viu Luara pela primeira vez. Ela estava sentada na escadaria de um antigo casarão, rindo com algumas amigas. Lara era linda, com olhos que pareciam conter todo o brilho da cidade. Rafael se apaixonou imediatamente, mas logo descobriu que Luara estava comprometida com Vitão, um dos líderes de uma perigosa gangue local. 

    Vitão era temido em Cáceres. Dominava, com mãos de ferro, as gangues da cidade e causava o terror nas pessoas. Suas ações controlavam vários bairros da cidade, e ele tinha uma reputação de ser cruel com quem ousasse cruzar seu caminho. Apesar disso, Rafael não conseguia evitar se aproximar de Luara. Aos poucos, eles começaram a conversar sempre que se encontravam casualmente, e a bela jovem se mostrou gentil e curiosa sobre as histórias da vida de Rafael na vila. Era evidente que ela também sentia algo especial. 

    No entanto, essa conexão não passou despercebida. Uma noite, ao sair do trabalho, Rafael foi confrontado por dois homens da gangue de Vitão. Eles o espancaram como aviso para que ficasse longe de Luara. Ensanguentado e dolorido, Rafael percebeu que não seria fácil viver seu sonho na cidade grande. Apesar da surra e das ameaças de morte caso continuasse a insistir com a jovem, Rafael sabia que devia lutar. 

    Então, por isso ele não desistiu. O jovem decidiu que protegeria Luara e, ao mesmo tempo, buscaria uma vida digna. Começou a trabalhar mais horas, economizar cada centavo e buscar aliados. Conheceu pessoas que também queriam uma cidade menos dominada pela violência e pela opressão das gangues. Juntos, formaram uma pequena comunidade que ajudava uns aos outros com trabalhos honestos e apoio emocional. 

    Enquanto isso, Luara começava a se questionar sobre sua própria vida. Estar com Vitão lhe dava segurança material, mas também a aprisionava em um mundo de medo e domínio. Ela viu em Rafael não apenas um jovem corajoso, mas uma possibilidade de recomeço. 

    A tensão atingiu seu ápice quando Vitão descobriu que Luara planejava deixá-lo. Em uma confrontação dramática, Rafael enfrentou o líder das gangues. Não foi uma luta de igual para igual – Vitão era mais forte e mais experiente em combates –, mas Rafael lutou com a força de quem não tinha nada a perder. A briga atraiu uma multidão, e a polícia, frequentemente ausente, foi forçada a intervir. Vitão foi preso por diversos crimes, e sua gangue perdeu o poder. 

    Com o chefe das gangues fora de cena, Rafael e Luara puderam finalmente construir algo juntos. Ele continuou trabalhando com sua comunidade, ajudando jovens a encontrarem caminhos longe do crime, e Luara se juntou a ele, usando sua experiência para ajudar mulheres a saírem de relações abusivas. 

    Cáceres continuou sendo uma cidade cheia de desafios, mas para Rafael e Luara, tornou-se também um lugar de esperança e redenção. Rafael descobriu que a verdadeira grandeza não estava nas luzes da cidade, mas na capacidade de transformar vidas, incluindo a sua própria. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense