terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Um perigoso feminicida sem coração

    Olhou atentamente para os olhos dela. Não viu arrependimento. Estava ali para executá-la. Tinha raiva de tudo que acontecera com ele. Chegou em casa e a viu nos braços de outro em sua cama. Não havia outra razão para deixá-la viver. Não merecia. Não se importava mais com nada. Apenas ela. Vivera sua vida em razão dela. E ela o trai dessa forma. Inescrupulosa. Mulher sem coração. 
    Esse era o pensamento dele. Desferiu-lhe vários golpes com a faca que empunhara. Viu o sangue jorrar. Viu a vida dela se esvair. Mas, não viu, em momento nenhum, arrependimento nos olhos dela. Isso o agoniava. Sentou-se ao lado da cama por um tempo. O lençol branco agora era todo carmezim. Um corpo sem vida estendido sobre a cama. Um homem triste com a cabeça entre as mãos. O silêncio. 
    Sabia que logo a polícia ia aparecer. Os vizinhos, provavelmente já haviam ligado e avisado do crime. Mas, não queria fugir. Havia cometido o crime e ia pagar por ele. Um crime passional. Uma paixão violenta que culminara nesse fim. Sentiu vontade de tirar a própria vida também e se juntar aquela que um dia havia amado. Mas, nem isso teve forças para fazer. 
    Ouviu o barulho da sirene rasgando o silêncio no qual se envolvera nos últimos minutos. Ouviu os passos dos policiais se aproximando com cautela. Viu os dois policiais adentrando o quarto. 
    - Mãos ao alto! - Falou um deles apontando a arma. - Você está preso. 
    Saiu algemado e viu a aglomeração de pessoas próximo a casa dele. Curiosos e assustados. O que acontecera? 
    - Por que você fez isso? - Perguntou a delegada olhando nos olhos dele. 
    Não disse uma palavra. 
    A delegada esbravejou e o enviou para uma cela. Tinha direito a um advogado. 
    Olhou para os presos na cela. Estava abarrotada. Deveria ter, pelo menos, uns quinze presos a mais do que o que cabia naquele cubículo. Arrumou um jeito de se acomodar como deu sob os olhares aterradores daqueles detentos. 
    Outra vez o silêncio. Era alta madrugada. Agora o coração desacelerara. Começou a pensar no que havia feito. Ela já não estava mais no mundo dos vivos. Não conseguiu dormir. Nunca mais a veria outra vez. Ao clarear do dia um dos carcereiros se aproximou da cela. Olhou nos olhos dele e perguntou: 
    - Quer ouvir a notícia sobre a sua desgraça no Ripa nos malandros? 
    - Leia logo – Respondeu um dos presos do fundo da cela. 
    - “Homem esfaqueia e mata ex-mulher”. 
    A ficha agora cai de forma violenta em sua mente. Ela não o estava traindo. Já fazia meses que o havia largado e, mesmo com sua insistência para que voltassem, ela não queria mais viver com ele. Havia dito há alguns dias que ele deveria seguir a sua vida. Que ela tinha feito isso. Que tinha conhecido outra pessoa e que estava tentando reconstruir a sua vida e que ele deveria fazer o mesmo. 
    O ciúme o cegara. Naquela noite a seguira de seu trabalho e ficou escondido no terreno baldio que circundava a casa dela. Viu quando o novo namorado dela chegara e surpreendeu os dois na cama. O rapaz, mais novo do que ela, correu e pulou pela janela ao ver o homem ali. Ela ficara sem reação. Ele com a faca na mão a segurou pelo braço e, depois de olhar em seus olhos, a esfaqueara. 
    - Você é um feminicida sem coração! - Exclamou um dos presos. 
    O carcereiro guardou o celular onde lera a notícia e olhou para ele. Não disse nada, mas nem precisou. O seu olhar já revelava a desaprovação pelo ato brutal cometido por ele. Uma vida humana havia sido ceifado de forma violenta e cruel aumentando a estatística do feminicídio no mundo. 
 
Obs. Que sirva de reflexão. 
 
    Aos homens, que aceitem, mesmo quando dói, o fim do relacionamento. Sigam suas vidas e encontre uma nova razão de viver. 
    Às mulheres, que sejam precavidas. Que não aceitem a dominação obsessiva e denunciem qualquer tipo de ameaça. Valorize a vida e cuide-se sempre! 
 
Texto: Odair José, Poeta Cacerense

2 comentários:

  1. Poeta contista,
    Períodos curtos. Ponto final. Dois aspectos q controlam o tempo da narrativa no conto. Linha tênue q determina o perfil frio do personagem entre o tempo do planejamento e a execução da ação. Ex

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