O pequeno garoto
tinha o olhar fixo nos dois senhores sentados no banco da praça e os ouvidos
atentos ao que eles diziam.
- No Ocidente –
disse um deles – o dragão, revestido de escamas, de cauda eriçada e vomitando
fogo, representa o mal.
- Ouvi dizer –
disse o outro – que na filosofia do Extremo Oriente os dragões eram animais
benévolos, simbolizando também a chuva, a neblina e o vento.
- Na Coréia,
cada rio e regato tinham o seu dragão próprio – fez uma pausa e continuou – na China
Setentrional e Central, os dragões eram deuses da chuva que irrigavam os campos
de arroz e formavam as nuvens com o seu bafo.
Eram dois
senhores bem distintos entre si. Um era alto e magro, negro de cabelos
encaracolados já brancos pelo tempo; o outro era branco, baixinho e gordinho de
olhar esbugalhado. O garotinho sentara-se bem próximo deles porque adorava
histórias de dragões. O senhor negro disse:
- Desde tempos
muito antigos que inundações, vendavais e trovoadas eram atribuídos a dragões
que combatiam na atmosfera ou nos rios. Os belos seixos encontrados junto aos
regatos das montanhas eram considerados ovos de dragão, que, eclodindo por
ocasião das trovoadas, deixavam voar em liberdade os dragões recém-nascidos.
- Boa a sua
história – disse o senhorzinho baixinho com um leve sorriso no rosto – mas a
minha é ainda melhor.
- Então diga.
- Os dragões
provocavam redemoinhos em terra e trombas
de água no mar. – Disse o velhinho sob o olhar atento do garotinho –
Quando deixavam os seus covis situados em terra e se erguiam no ar, a pressão
que as suas patas exerciam sobre as nuvens originava a formação de chuva.
- Nossa! –
Exclamou o senhor negro.
Ambos fizeram
uma pausa e olharam para os transeuntes que caminhavam pela praça naquele final
de tarde. Olharam para o garoto perto deles e pareciam ignorar toda a
curiosidade em seus olhos.
- Os dragões
chineses – Disse o senhor negro – eram de cores diversas: pretos, os dragões
destruidores e o dragão trovejante da casa imperial; amarelos, os da sorte, e
azul-celestes os que anunciavam o nascimento dos homens importantes.
- Sério?
- Sim. Já ouviu
falar em Confúcio?
- Sim.
- Pois é. Na
noite em que ele nasceu, dois dragões azul-celestes apareceram na casa de sua
mãe.
- Essa foi boa –
Disse o velhinho baixinho e o garotinho pareceu concordar apesar de nem fazer
noção de quem era esse tal de Confúcio.
- Sua vez –
Disse o senhor negro para o seu parceiro de histórias.
- Os dragões
podiam também alterar as suas formas e ainda brilhar na escuridão, tornar-se
invisíveis, reduzir-se às dimensões de lagartos ou aumentar até ocultar céus e
terra. Repousavam no fundo do mar em palácios de pérolas e falavam em voz
agradável como o tilintar de pingentes de cobre.
O garotinho
estava cada vez mais impressionado com o conhecimento desses dois velhinhos sobre
os dragões. Será que ainda teriam histórias mais impressionantes sobre eles?
- Os ovos de
dragão – disse o senhor negro – um medicamento popular da medicina tradicional
chinesa, eram quase certamente fósseis de animais pré-históricos, que os
farmacêuticos, na sua maior parte, armazenavam na terra ou reduziam a pó.
Houve mais uma
breve pausa. O sol já se escondia no horizonte e a noite em breve tomaria conta
do firmamento.
- Vou contar uma
boa agora – Disse o senhor negro – Prepare-se para ouvir. Será insuperável.
- Manda ver –
Disse o senhor baixinho.
- A lenda do
homem que mata o dragão aparece sob a forma de versões variadas, todas
sangrentas. Matar um dragão era a proeza que coroava a carreira de quase todos
os antigos heróis, entre eles, Siegfried, Sigurd, Beowulf, São Jorge, São
Miguel, Artur, Tristão e até mesmo Lancelot. As versões, numerosas, variavam. O
ferreiro John Smith, de Deerhurst, no Gloucestershire, deu leite a beber a um
mostro guloso. Depois de ingerir o líquido, o dragão deitou-se ao sol, com as
escamas eriçadas, e o corpulento ferreiro, aproveitando a oportunidade,
cortou-lhe a cabeça.
- Nossa! –
Exclamou o senhor baixinho – Agora você se superou.
O garotinho
concordou com a cabeça. Em sua mente era impossível ter mais coisas sobre os
dragões.
- Sua vez –
Disse o senhor negro para o baixinho.
- Está bem –
Disse ele com um sorriso no rosto – Em Lyminster, no Sussex, um homem matou um
dragão oferecendo-lhe um pudim envenenado tão grande que teve de ser
transportado numa carroça. O dragão engoliu tudo, pudim, carroça e cavalos.
- Uau! –
Exclamou o senhor negro.
- Mas essa não é
a melhor parte – Disse o senhor baixinho.
- Não?
- A melhor parte
vem agora – Disse o baixinho com um leve sorriso nos olhos e prosseguiu sob o
olhar do garotinho – Na maior parte das lendas, os dragões alimentavam-se de
donzelas, mas um escritor do começo do século XVIII, Topsell, na sua História
de Quadrúpedes, atribui-lhes uma alimentação mais saudável. Eis o que ele diz: “Eles
mantêm-se saudáveis (como Aristóteles afirma) comendo alface brava, que os faz
vomitar quando ingerem qualquer alimento nocivo. São-lhes especialmente
prejudiciais as maçãs, pois os seus organismos são atreitos a encherem-se de
vento, razão porque nunca comem maçãs, mas sempre alface brava”.
Havia uma
expressão de admiração no olhar do senhor negro e do garotinho. Realmente essa
ideia de que a alface é o melhor alimento para os dragões ninguém esperava.
- Tem mais
alguma coisa? – Indagou o senhor negro – Porque quero terminar a minha
explicação.
- Só mais uma –
Disse o senhor baixinho e destacou: - Embora na sua maioria estes seres fossem
temíveis, havia dragões amáveis. O autor romano Plínio menciona um homem
chamado Thoas de Arcadia salvo do ataque de um ladrão pelo seu fiel dragão.
- Massa! –
Limitou-se a dizer o senhor negro.
- Conte a sua
parte final – Disse o senhor baixinho.
- Pois bem –
Disse o senhor negro – As lendas eram tão comuns a tantas terras que é possível interrogarmos-nos sobre a sua origem. As interpretações dos artistas
assemelham-se extraordinariamente à reconstituição científica dos dinossauros. A
suposição é notável. Os dinossauros desapareceram da Terra há 70 milhões de
anos, e os antepassados diretos do homem surgiram apenas há 2,5 milhões de
anos. Consequentemente, as lendas dos dragões não podem ser uma recordação
popular do tempo dos dinossauros. A origem mais provável da lenda é que o homem
primitivo, ao encontrar os ossos fossilizados de dinossauros, tenha concluído
que aqueles pertenciam a algum animal gigantesco, aterrorizador, com a forma de
lagarto. O que há de notável nesta interpretação é como ela se aproximava da
verdade.
- Que maravilha!
– Exclamou o senhor baixinho – Então tudo se resume ao que o ser humano cria na
sua imaginação?
- Bem assim! –
Concluiu o senhor negro.
Os dois foram
embora naquele inicio de noite. Na cabeça do garotinho, no entanto, os dragões
eram fascinantes. O que mais ficou na sua memória ele foi repetindo pelo
caminho:
- O dragão
devorador de alface.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense
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