Na pacata cidade de Cáceres, um ar de mistério sempre envolveu a Praça Barão do Rio Branco. Local de passeios diurnos e de encontros noturnos sob a luz dos antigos lampiões, a praça abrigava o Marco do Jauru, uma pedra secular fincada ali desde o Tratado de Madrid, no século XVIII, marcando os limites entre as possessões portuguesas e espanholas na América do Sul. Mas poucos sabiam que, para além de sua importância histórica, o Marco também guardava segredos sombrios.
Naquela noite, a praça estava coberta por uma neblina que parecia ter surgido do nada, abafando o som das cigarras e o farfalhar das folhas das árvores. Apenas a silhueta de um homem se destacava no centro da praça, parado, imóvel, como se fosse parte do próprio Marco do Jauru. As pessoas que o viam descreviam-no como alto, com pele pálida e um olhar que parecia penetrar a alma.
Mathias, um jovem curioso e morador de Cáceres, sempre ouvira histórias de sua avó sobre o “homem misterioso da praça”, uma figura que, segundo ela, aparecia a cada poucas décadas desde o século XIX. Diziam que ele fora visto pela primeira vez ao lado do Marco do Jauru, pouco depois da chegada do vapor Etrúria, que subira o Rio Paraguai desde o Atlântico, trazendo exploradores, aventureiros e... algo mais.
Intrigado, o jovem decidiu investigar. Ele passou noites na praça, observando e esperando, até que finalmente o homem apareceu. Mathias hesitou, mas, tomado pela coragem, aproximou-se dele. Ao chegar perto, sentiu um calafrio inexplicável e percebeu que o homem usava roupas finas, mas de um estilo antigo, como de outra época.
— Boa noite — disse Mathias, tentando esconder o nervosismo.
O homem o encarou, com olhos profundos e escuros como a própria noite, e respondeu com um sotaque que denunciava suas origens lusitanas:
— Boa noite, jovem. Cáceres ainda preserva seu encanto, não? A história… é viva nesta praça.
Mathias então perguntou sobre o Marco do Jauru, mencionando as histórias que ouvira de sua avó. O homem sorriu, mas era um sorriso frio, que parecia esconder algo sombrio.
— Ah, o Marco... um símbolo de fronteiras, de limites. Mas certas fronteiras são feitas para serem ultrapassadas, mesmo que não sejam visíveis aos olhos humanos — ele respondeu, lançando um olhar breve ao Marco, como se ele próprio tivesse atravessado um limite proibido.
O ar parecia se tornar mais denso. O jovem percebeu que algo estava errado. Perguntou, hesitante, como ele havia chegado a Cáceres, ao que o homem respondeu:
— Cheguei numa embarcação há muito tempo. Um vapor, o Etrúria... tempos sombrios, de busca e de exílio. Aqui, encontrei uma espécie de... lar.
Nesse momento, Mathias viu, no reflexo da fonte ao lado do Marco, que o homem não tinha sombra. Lembrou-se das lendas de sua avó, que falavam de um ser imortal, um vampiro que cruzara o Atlântico em busca de um refúgio, fugindo da perseguição e das cruzes de seu país natal, Portugal.
Assustado, o rapaz recuou. O homem misterioso, percebendo o medo em seus olhos, apenas sorriu e sussurrou:
— Cáceres é uma cidade antiga, jovem. E seus segredos... estão bem guardados. Assim como eu estou.
Quando Mathias piscou, o homem já não estava mais lá. Ele olhou em volta, mas a praça estava deserta, e o silêncio era absoluto. Desde então, o jovem cacerense nunca mais o viu, mas sempre que passava pela praça, sentia que o olhar do homem misterioso ainda o seguia, como se guardasse a cidade e seus segredos sob a sombra do Marco do Jauru.
E, em algumas noites de neblina, quem passa pela praça ainda jura ver uma figura pálida, com olhos profundos, observando, como um guardião sombrio que jamais abandonou Cáceres.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense