sábado, 16 de novembro de 2024

O encontro na Praça Barão

    Na pacata cidade de Cáceres, um ar de mistério sempre envolveu a Praça Barão do Rio Branco. Local de passeios diurnos e de encontros noturnos sob a luz dos antigos lampiões, a praça abrigava o Marco do Jauru, uma pedra secular fincada ali desde o Tratado de Madrid, no século XVIII, marcando os limites entre as possessões portuguesas e espanholas na América do Sul. Mas poucos sabiam que, para além de sua importância histórica, o Marco também guardava segredos sombrios. 

    Naquela noite, a praça estava coberta por uma neblina que parecia ter surgido do nada, abafando o som das cigarras e o farfalhar das folhas das árvores. Apenas a silhueta de um homem se destacava no centro da praça, parado, imóvel, como se fosse parte do próprio Marco do Jauru. As pessoas que o viam descreviam-no como alto, com pele pálida e um olhar que parecia penetrar a alma. 

    Mathias, um jovem curioso e morador de Cáceres, sempre ouvira histórias de sua avó sobre o “homem misterioso da praça”, uma figura que, segundo ela, aparecia a cada poucas décadas desde o século XIX. Diziam que ele fora visto pela primeira vez ao lado do Marco do Jauru, pouco depois da chegada do vapor Etrúria, que subira o Rio Paraguai desde o Atlântico, trazendo exploradores, aventureiros e... algo mais. 

    Intrigado, o jovem decidiu investigar. Ele passou noites na praça, observando e esperando, até que finalmente o homem apareceu. Mathias hesitou, mas, tomado pela coragem, aproximou-se dele. Ao chegar perto, sentiu um calafrio inexplicável e percebeu que o homem usava roupas finas, mas de um estilo antigo, como de outra época. 

    — Boa noite — disse Mathias, tentando esconder o nervosismo. 

    O homem o encarou, com olhos profundos e escuros como a própria noite, e respondeu com um sotaque que denunciava suas origens lusitanas: 

    — Boa noite, jovem. Cáceres ainda preserva seu encanto, não? A história… é viva nesta praça. 

    Mathias então perguntou sobre o Marco do Jauru, mencionando as histórias que ouvira de sua avó. O homem sorriu, mas era um sorriso frio, que parecia esconder algo sombrio. 

    — Ah, o Marco... um símbolo de fronteiras, de limites. Mas certas fronteiras são feitas para serem ultrapassadas, mesmo que não sejam visíveis aos olhos humanos — ele respondeu, lançando um olhar breve ao Marco, como se ele próprio tivesse atravessado um limite proibido. 

    O ar parecia se tornar mais denso. O jovem percebeu que algo estava errado. Perguntou, hesitante, como ele havia chegado a Cáceres, ao que o homem respondeu: 

    — Cheguei numa embarcação há muito tempo. Um vapor, o Etrúria... tempos sombrios, de busca e de exílio. Aqui, encontrei uma espécie de... lar. 

    Nesse momento, Mathias viu, no reflexo da fonte ao lado do Marco, que o homem não tinha sombra. Lembrou-se das lendas de sua avó, que falavam de um ser imortal, um vampiro que cruzara o Atlântico em busca de um refúgio, fugindo da perseguição e das cruzes de seu país natal, Portugal. 

    Assustado, o rapaz recuou. O homem misterioso, percebendo o medo em seus olhos, apenas sorriu e sussurrou: 

    — Cáceres é uma cidade antiga, jovem. E seus segredos... estão bem guardados. Assim como eu estou. 

    Quando Mathias piscou, o homem já não estava mais lá. Ele olhou em volta, mas a praça estava deserta, e o silêncio era absoluto. Desde então, o jovem cacerense nunca mais o viu, mas sempre que passava pela praça, sentia que o olhar do homem misterioso ainda o seguia, como se guardasse a cidade e seus segredos sob a sombra do Marco do Jauru. 

    E, em algumas noites de neblina, quem passa pela praça ainda jura ver uma figura pálida, com olhos profundos, observando, como um guardião sombrio que jamais abandonou Cáceres. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

O Vampiro no Marco do Jauru

    Em Cáceres, no coração do Mato Grosso, a Praça Barão guarda um segredo sombrio e antigo. No centro da praça, o Marco do Jauru, um imponente obelisco, é conhecido por sua importância histórica, mas poucos sabem que ele esconde um mistério ainda mais profundo. 
 
    No final do século XIX, o vapor Etrúria, uma majestosa embarcação, subia lentamente o rio Paraguai, carregando uma carga preciosa de mercadorias e passageiros ilustres. Entre esses passageiros, um homem enigmático, sempre envolto em um manto escuro, atraía olhares curiosos. Seu nome era Vladislav, e de onde ele vinha quase ninguém sabia ao certo. 
 
    As noites durante a viagem eram especialmente tensas. Histórias de desaparecimentos misteriosos começaram a circular entre os tripulantes. Algumas pessoas alegavam ouvir sussurros no escuro, enquanto outros diziam ver sombras movendo-se nas profundezas da floresta ribeirinha. 
 
    Quando o Etrúria finalmente chegou a Cáceres, Vladislav desembarcou e imediatamente se isolou da sociedade. Ele se instalou em uma antiga fazenda nos arredores da cidade, onde raramente era visto à luz do dia. Sua presença em Cáceres trouxe com ela uma série de eventos inexplicáveis: animais encontrados mortos, com o sangue completamente drenado, e moradores que adoeciam misteriosamente, enfraquecendo até a morte. 
 
    O tempo passou, e Vladislav, com sua pele pálida e olhos profundos, passou a ser conhecido pelos habitantes como o "Senhor da Noite". Em noites de lua cheia, ele era visto caminhando pela cidade, sempre em direção ao Marco do Jauru, onde parecia meditar sob as estrelas. 
 
    Conta a lenda que o Marco do Jauru, além de seu papel como divisor de territórios, possui uma energia antiga e poderosa, que Vladislav havia descoberto. Dizem que ele selou parte de sua essência vampírica no monumento, permitindo-lhe sobreviver por séculos sem envelhecer. Com o passar do tempo, ele aprendeu a se ocultar durante o dia no próprio obelisco, onde repousa até hoje, protegido por forças que poucos compreendem. 
 
    Os moradores mais antigos de Cáceres evitam a praça à noite. Alguns ainda contam histórias de como o ar parece mais frio ao redor do monumento quando o sol se põe, e de como o som do vento sussurrando através das árvores soa como sussurros de um idioma antigo e esquecido. 
 
    De tempos em tempos, desaparecimentos inexplicáveis ainda ocorrem na região, sempre associados a noites sem lua, quando as sombras parecem se mover por vontade própria. Aqueles que conhecem a lenda acreditam que o vampiro Vladislav ainda está em Cáceres, vigiando a cidade desde seu refúgio no Marco do Jauru, esperando o momento certo para despertar completamente e reclamar seu domínio sobre a região. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 26 de julho de 2024

No cemitério

    Na pequena cidade de Lambari, nos anos 80, três garotos inseparáveis, Lira, Zoião e Dison, eram conhecidos por suas aventuras ousadas. Em uma noite de lua cheia, decidiram testar sua coragem explorando o antigo cemitério local, um lugar envolto em lendas assustadoras. 
 
    "Vamos ver quem tem coragem de ir até o túmulo do coronel Bento!", desafiou Lira, o mais destemido do trio. Armados com lanternas e um senso de bravura juvenil, os três amigos adentraram o cemitério, seus corações batendo acelerados. 
 
    Enquanto caminhavam entre os túmulos, um silêncio sepulcral envolvia o ambiente, interrompido apenas pelo farfalhar das folhas ao vento. Chegaram ao túmulo do coronel Bento, uma sepultura imponente e coberta de musgo. Lira, determinado a provar sua coragem, se aproximou e iluminou a lápide com sua lanterna. 
 
    De repente, um som de terra se movendo fez com que os três se virassem abruptamente. De um túmulo ao lado, emergia um esqueleto, seus ossos brilhando sob a luz da lua. Os olhos vazios pareciam fixar-se neles, e um silêncio aterrador tomou conta do lugar. 
 
    "CORRE!" gritou Zoião, quebrando o encanto do medo. Os três garotos dispararam em direção à saída do cemitério, suas lanternas balançando e iluminando o caminho tortuoso. O som de seus passos apressados ecoava entre os túmulos enquanto o esqueleto permanecia em pé, como uma sentinela macabra. 
 
    Ao alcançarem a segurança da rua principal de Lambari, os meninos pararam para recuperar o fôlego, olhares arregalados e respirações ofegantes. "Vocês viram aquilo?" perguntou Dison, ainda tremendo. "Era um esqueleto de verdade!" 
 
    "Eu falei que o cemitério era assombrado!" exclamou Lira, tentando esconder o medo atrás de uma fachada de bravura. 
 
    Os três amigos juraram nunca mais voltar ao cemitério à noite, mas a história do encontro com o esqueleto se tornou uma lenda em Lambari, contada e recontada pelos moradores. Para os três garotos, aquela noite foi uma mistura de medo e excitação que jamais esqueceriam, uma lembrança vívida de uma aventura nos tempos de infância. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 21 de julho de 2024

A serpente e o cavalo

    Estava em um lugar nebuloso. Cheio de árvores esparsas em meio um vasto cerrado. Olhei para todos os lados e não sabia qual direção tomar. Na verdade, nem sabia como tinha ido parar naquele lugar. Um medo terrível tomou conta de mim. O sol escaldante queimava a minha cabeça e ofuscava a minha visão. Almejava a minha salvação que não aparecia nunca. 

    Estava absorto em meus temores quando a avistei. Seus olhos eram tenebrosos e foi à primeira coisa que vi. Ela, aos poucos foi saindo da toca. Era enorme e assustadora. De cor cinzenta. Seu contorno era aterrorizante e um temor apoderou-se de mim. Eu precisava correr. Mas não teria condição de fugir dela correndo a pé. Seu olhar ameaçador fixou-se sobre mim e me fez entender que a qualquer momento ela daria o bote certeiro e fulminante que acabaria com minha vida. Vida que seria dilacerada em um momento. 

    Foi quando avistei, logo ali na frente, aquele belo cavalo. Negro da cor da noite mais escura ele pastava tranquilamente alheio à presença da víbora. Cavalguei-o e nem precisei esporeá-lo para que cavalgasse como um raio pela planície. Foi uma perseguição alucinante pela esplanada e uma fuga espetacular. Olhei para trás e vi a enorme serpente ficando a distância. Meu coração acelerado era o retrato do medo pelo qual passei. O cavalo parou ao entrar em um enorme jardim cheio de flores. Flores lindas e perfumadas. Eram muitas mesmo que até sumiam das vistas. 

Nesse instante eu acordei. O que significa não sei, mas esse foi o sonho que tive essa noite. 

Prosa: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 30 de junho de 2024

Cidade sem cabaré

    Falo de uma cidade cheia de farmácias. Um lugar que representa uma sociedade doente, cheia de ratos e morcegos. Uma cidade onde você não encontra nenhum cabaré. Sinal de que não há promiscuidade? Pelo contrário. Pederastas, lascivos e outros devassos é o que mais se pode encontrar pelas penumbras dessa cidade. 

    Bares. Inúmeros. Pelo menos dois em cada quarteirão. Uma mistura de poluição sonora com poluição visual que ofuscam a visão e fedem nas narinas de gente séria que nela tentam sobreviver. Bares que escondem o pecado original em suas bases. No fundo são antros de prostituição e distribuição de entorpecentes. 

    Ratos e morcegos são literais. Existem milhares deles pelas valas e bueiros. Mas, também, são simbólicos. São pessoas que sujam essa cidade com suas imundícias e perversões e a transformam neste limbo indescritível. Morcegos que sugam nossas energias com suas mandíbulas doentias. Farmácias imponentes em cada esquina mostram o quanto à cidade é doente. 

    Sodoma e Gomorra parecem o paraíso diante das atrocidades cometidas nessa cidade. Fogo e enxofre são insuficientes para extinguir o mal enraizado nas ruas e vielas dessa cidade. Uma bomba atômica varreria do mapa essa que é um antro de perdição, mas não conseguiria purificar tanto mal. 

    Pode-se ouvir, dependendo do poder de audição, o choro contido em almas que perambulam pelas praças e avenidas dessa cidade. Um choro contido e sufocado pela agressão verbal e espiritual impostas sobre essas almas. Não existem pessoas para gritar contra essa opressão desenfreada que toma conta da cidade. 

    Onde estão as casas de luz vermelha que mostram de forma clara onde se podem esquecer os dissabores de vidas medíocres encurraladas entre quatro paredes? Casas que oferecem um ponto de fuga. Um refúgio para almas incontidas. Como buscar remédio para um mal que não se encontra no corpo e sim no íntimo de cada um. 

    Algumas mulheres insatisfeitas, mal amadas (ou incompreendidas) que se arrastam e se dobram ao primeiro galanteio de um ser qualquer. Que são conduzidas à promiscuidade e se entregam aos prazeres a ponto de esquecer até de seus filhos. Sanguessugas que espreitam suas vítimas nas mesas de bares e botecos maquinando qual a melhor forma de dar o bote certo. Querem sanar as frustrações que passam nos lares enquanto esperam seus maridos chegarem do trabalho. 

    Nessa ânsia de curar essa dor incurável acabam contribuindo para o crescimento dos motéis e dormitórios secretos. E como um abismo puxa outro abismo contribui também para o crescimento do consumo de bebidas e entorpecentes que, consequentemente, corrobora com o tráfico e crimes. 

    A cidade não dorme. O silêncio não existe por aqui. 

    Ouve-se o grito agonizante de almas que rastejam nessa lama de indecência e buscam, de forma desesperada, um braço estendido para salvá-las. Demônios sobrevoam os espaços e lançam seus grilhões de invejas e ciúmes. Mortes bárbaras se tornam corriqueiras e banais diante de uma sociedade que se acostumou com a miséria de vidas sem sentido. 

Crônica: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 9 de junho de 2024

Forasteiros em Lambari

    Nos idos anos 80, Lambari era uma cidadezinha pacata no interior de Mato Grosso, um lugar onde o tempo parecia correr devagar e a vida era simples e tranquila. Com ruas de terra batida, casas de madeira e gente humilde, Lambari era o tipo de cidade onde todos se conheciam pelo nome e as crianças brincavam soltas pelas ruas até o anoitecer. O local onde hoje é a praça central, com seu coreto, era o coração da cidade, onde tinha o "Ranchão" e se realizavam as festas e encontros da comunidade. 

    Numa manhã ensolarada de primavera, dois forasteiros chegaram a Lambari, despertando a curiosidade dos moradores. Eram homens altos, de semblantes severos e olhares furtivos, trajando roupas escuras e chapéus de aba larga que escondiam parcialmente seus rostos. A princípio, ninguém sabia ao certo o que queriam ali, mas a atmosfera de desconfiança rapidamente se instalou. Com o passar dos dias, os boatos começaram a circular: os dois homens estavam envolvidos em atividades criminosas, intimidando comerciantes e exigindo "proteção" em troca de dinheiro. 

    Entre os moradores, três jovens amigos decidiram que algo precisava ser feito. Paulo, um rapaz destemido de 17 anos, filho do dono do armazém; Lira, um garoto inteligente e curioso de 16 anos, sempre visto com um livro nas mãos; e Rosinha, uma jovem corajosa de 15 anos, filha do delegado da cidade. Os três eram inseparáveis desde a infância e tinham um senso de justiça inabalável. 

    Numa noite estrelada, reunidos no quintal da casa de Rosinha, os amigos traçaram um plano. Decidiram vigiar os forasteiros e coletar informações sobre suas atividades. Lira, com sua habilidade de observação, começou a seguir os homens discretamente, tomando nota de todos os seus movimentos. Paulo, forte e habilidoso, preparou esconderijos estratégicos ao redor da cidade para servir de postos de observação. Rosinha, com seu conhecimento sobre o trabalho do pai, sugeriu usar um velho gravador que havia encontrado no escritório do delegado para captar conversas incriminadoras. 

    Os dias seguintes foram de tensão e expectativa. As noites eram dedicadas a vigias e cochichos no escuro. Aos poucos, os jovens começaram a entender a extensão das atividades dos forasteiros: chantagens, extorsões e ameaças eram suas armas, e o medo sua maior conquista. A situação parecia cada vez mais desesperadora, mas os três amigos mantinham-se firmes na determinação de libertar sua cidade. 

    Numa noite especialmente silenciosa, Paulo conseguiu capturar uma conversa crucial entre os dois homens, revelando um plano de assalto ao local de depósito bancário da cidade. O local não contava com a proteção necessária de um banco. Com a prova em mãos, os jovens sabiam que era hora de agir. Rosinha, aproveitando que o pai estava de plantão na delegacia, mostrou a gravação ao delegado, que rapidamente mobilizou a pequena força policial da cidade. Dois ajudantes da polícia conhecidos como "bate-paus". 

    Na madrugada seguinte, enquanto os forasteiros se preparavam para executar seu plano, foram surpreendidos pelo representante policial, seus ajudantes e pela resistência da comunidade, que, alertada pelos jovens, reuniu-se para defender sua cidade. Encurralados e sem saída, os homens foram presos, e a paz voltou a reinar em Lambari. 

    Os três amigos foram saudados como heróis pela coragem e determinação. A aventura havia fortalecido ainda mais os laços entre eles e deixado uma lição importante para todos: mesmo nas menores e mais pacatas cidades, a união e a coragem da comunidade podem vencer qualquer ameaça. No "Ranchão", iluminado pelas luzes da festa que celebrava a vitória, ecoava a alegria com risos e músicas, enquanto Lambari, mais uma vez, voltava a ser o refúgio de tranquilidade e harmonia que sempre fora. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 1 de junho de 2024

O Mistério na Fonte da Praça Barão

    Em Cáceres, uma pacata cidade que exala história e cultura, a Praça Barão sempre foi um ponto de encontro para os cidadãos e turistas. Com bancos de madeiras, árvores que formavam túneis de sombra e, no centro, uma fonte de água cristalina que jorrava com um suave murmúrio, atraindo os olhos e ouvidos de quem passava. 

    Porém, certa manhã, a serenidade da praça foi substituída por um clima de tensão e preocupação. Crianças que brincavam perto da fonte começaram a apresentar manchas avermelhadas na pele, seguidas de forte coceira. Em pouco tempo, o número de casos só aumentava, e não demorou para que adultos também começassem a mostrar os mesmos sintomas. 

    A prefeitura, preocupada com a situação, convocou uma equipe de especialistas para investigar a causa. Exames iniciais não encontraram nenhum agente patogênico conhecido na água da fonte. Contudo, uma análise mais detalhada revelou vestígios de uma substância desconhecida, que parecia ter se misturado à água. 

    Em meio às investigações, uma senhora idosa, Dona Bastiana, conhecida por suas histórias sobre a cidade, trouxe uma pista. Ela contou sobre uma lenda antiga que falava de uma substância mágica guardada por seus antepassados, que ficava armazenada bem abaixo da praça e tinha o poder de curar ou adoecer, dependendo de como fosse usada. 

    A equipe, agora aliada a arqueólogos, começou a escavar em volta da fonte e descobriu uma antiga câmara subterrânea. Dentro dela, encontraram inscrições e uma urna selada. Acredita-se que a urna continha a substância mágica, que, por algum motivo, começou a vazar e contaminar a água da fonte. 

    Tomando cuidado extremo, os especialistas selaram novamente a urna e purificaram a água da fonte com técnicas modernas. Aos poucos, a praça voltou ao normal e as manchas e coceiras nas vítimas começaram a desaparecer. 
    A cidade, então, decidiu criar um monumento em homenagem à Dona Bastiana e à lenda da substância mágica, para que a história não fosse esquecida. A Praça Barão, com sua fonte cristalina, voltou a ser um local de alegria e encontro, mas também de respeito e lembrança da magia que uma vez ameaçou seus habitantes. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 2 de março de 2024

Os segredos do Marco do Jauru

    Há um grande mistério que envolve o Marco do Jauru. O exuberante monumento trazido de Lisboa no século XVIII e faz parte do cenário espetacular da Praça Barão do Rio Branco em Cáceres, Mato Grosso, tem muitas histórias que a grande maioria das pessoas não sabem. Se você fizer um pesquisa nos aplicativos de buscas vai encontrar muita coisa relacionada a sua história, o porque ele foi trazido para esse lugar, inóspito na época, e porque está implantado agora no centro histórico dessa cidade, a Princesinha do Rio Paraguai, carinhosamente chamada pelos seus moradores. No entanto, o que quase ninguém sabe é sobre os segredos que envolvem esse imponente monumento. 

    Qual é a relação entre o Anjo da Ventura e o Marco do Jauru? O que esses dois artefatos tem em comum? Você não sabe, né? Na verdade até consigo ver a sua cara de surpresa. Você nem sabia que tem um Anjo da Ventura no topo da casa Dulce, ao lado do Banco do Brasil no centro de Cáceres, né? Não sabia! Pois é. Existe uma relação impressionante sobre esses dois monumentos. O Anjo da Ventura e o Marco do Jauru... Mas, não vou contar aqui. 

    Você já parou para pensar o que tem dentro do Marco do Jauru? Já reparou naquela pequena abertura que fica no topo do monumento, bem pertinho da Cruz em uma de suas laterais? Não sabe o que significa aquilo, né? 

    Sabe a relação que tinha o Marco do Jauru e a Ponte Branca? Sim, a Ponte Branca que foi construída sobre o córrego do Sangradouro e ligava a rua General Osório à rua Riachuelo em tempos não tão remotos na história da cidade? Não sabe, né? Pois é. Não poderiam ter destruído a Ponte Branca. Não poderiam. 

    Ainda tem o mistério do vampiro que veio em uma das caravelas de Pedro Álvares Cabral quando do descobrimento do Brasil. Sua trajetória marítima, sua luta para sobreviver em terras tupiniquins e sua chegada no Vapor Etrúria no século XIX e seu possível esconderijo no Marco do Jauru. Além disso, qual é a relação desse vampiro que, de acordo com algumas histórias, vive a séculos nesta cidade, com o Misterioso Homem da Praça Barão? 

    É meus amigos e amigas. Tem muitas histórias sobre o Marco do Jauru que você não sabe. Vou contar algumas em breve. Se quiser me acompanhar nessa grande aventura de descobrimentos é só ficar atento as próximas escritas. 

Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Noé e seus filhos

    Noé olha para a grande planície a sua frente e vê o horizonte distante até onde a sua vista alcança. É mais uma manhã radiante da natureza. O sol brilha no azul infinito de um céu límpido e majestoso. Eis a grandeza de Deus Criador, pensa o nobre patriarca. Pássaros voam e cantam nas árvores enquanto borboletas encantam com seus voos inocentes. Uma brisa aquieta a alma do patriarca que tem a sua meditação interrompida pelos passos que ele conhece muito bem. São seus três filhos que o acompanha para mais um dia de labuta. 

    Os três jovens param ao lado do pai e, por um breve instante, ficam em silêncio na contemplação da natureza. Notam, no entanto, um pouco de preocupação no semblante do velho pai. Algo o incomoda, pensam eles. 

    Sem: - O senhor parece um pouco preocupado. Aconteceu alguma coisa? 

    Noé: - Tenho recebido mensagens divinas. Deus me disse que um grande dilúvio está por vir, e Ele quer que construamos uma arca para nos salvarmos, junto com os animais. 

    Cam: - Um dilúvio? Isso é inacreditável, pai. Por que Deus faria isso? 

    Noé: - Ele acredita que a humanidade se desviou do caminho certo. A arca será nossa única salvação. 

    Jafé: - Mas como construir uma arca? E que animais levaríamos? 

    Noé: - Deus me deu as instruções detalhadas. A arca será grande o suficiente para abrigar a todos nós, bem como um par de cada espécie de animal para preservar a diversidade da vida. 

    Sem: - Isso é uma tarefa enorme, pai. Como começaremos? 

    Noé: - Primeiro, precisamos coletar os materiais necessários. Madeira de qualidade, resina e todos os recursos que Deus indicou. Depois, começaremos a construção. 

    Cam: - Certamente haverá muitos que vão nos ridicularizar por acreditar nisso. 

    Noé: - É verdade, meu filho, mas temos que confiar na mensagem divina. Precisamos ser fortes e perseverantes. 

    Jafé: - E quanto tempo temos, pai? 

    Noé: - Deus me deu um prazo, mas não sabemos exatamente quando o dilúvio acontecerá. Devemos nos apressar e trabalhar com dedicação. 

    Sem: - Vamos fazer isso, então. Se Deus falou contigo, acreditamos e o ajudaremos a construir a arca. 

    Noé sorriu, aliviado pela compreensão de seus filhos. Juntos, começaram a jornada para construir a arca, enfrentando desafios e críticas, mas mantendo a fé na mensagem divina que os guiava. A construção da arca se tornou uma jornada de confiança, trabalho árduo e união familiar, pois Noé e seus filhos se esforçaram para cumprir a missão que acreditavam ser divina. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense 

    Reflexão: Para que ninguém pense que Noé foi poupado somente por causa de suas boas obras, Deus deixou bem claro que ele foi um homem que creu em Deus como Criador, Soberano e o único salvador do pecado. Ele achou graça porque se humilhou e buscou a mesma. O registro bíblico afirma que Noé era justo, íntegro e andava com Deus. "Justo" significa que ele vivia segundo os padrões justos de Deus; "íntegro" coloca-o à parte quando comparado com as outras pessoas da época; e que ele "andava com Deus" coloca-o na classe especial dos que obedeciam a Deus de forma incondicional.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Mel e Pimenta

    Essa história teve seus desdobramentos em uma pequena vila chamada Lambari no interior de Mato Grosso nos anos 80. O que me lembro desse período sempre me vem em fragmentos. Eu era ainda muito jovem e muita coisa se perdeu com o tempo. Dessa forma, se alguma coisa não puder ser confirmada pelos que viveram naquela época, não é culpa minha. 

    Valdir, mais conhecido na época por Pimenta (não sei se por causa de algum fato em particular) era um jovem negro criado pelos afagos da avó, (seus pais haviam morrido em um acidente quando ainda era um bebê) enfrentava uma vida de privações. Sua casa modesta era marcada pela falta de recursos, mas a avó, uma mulher de sorriso marcante e coração generoso, era sua fonte constante de apoio. No entanto, o jovem Pimenta, rebelde por natureza, encontrava na escola um terreno fértil para suas confusões. As salas de aula eram palcos de suas travessuras, e os professores, muitas vezes impotentes diante de seu espírito indomável. A vida de Pimenta na escola era uma constante batalha. Rebelde e indisciplinado, ele encontrava maneiras de desafiar as normas estabelecidas. A sala de aula muitas vezes se transformava em um terreno fértil para suas brigas, rendendo-lhe a fama de aluno problemático entre professores e colegas. 

    Do outro lado da vila, (cabe dizer que na época, a vila era praticamente de uma rua só, a principal que se chamava Boa Vista) Melissa, era a filha única de uma família tradicional, que vivia em um mundo de estudos e sonhos. Sua beleza singela encantava a todos, mas era sua dedicação aos livros que a destacava. Os pais de Mel, (assim ela era conhecida por todos) respeitados na comunidade, sonhavam com um futuro grandioso para a filha, imaginando-a como uma médica renomada que elevaria o nome da família. Eles dedicavam tempo a jovem menina porque tinham planos ambiciosos para ela, sonhando com um caminho acadêmico sólido que a levaria a se tornar uma médica de renome. 

    Mas, nem sempre a vida acontece da forma que planejamos. O destino, por vezes surpreendente, cruzou os caminhos desses dois jovens de mundos totalmente opostos. Um encontro casual revelou uma conexão instantânea, transcendendo as barreiras sociais que os separavam. O amor, surgindo inesperadamente, tornou-se o fio condutor de uma história destinada a desafiar convenções. Como quase sempre acontece na história da humanidade e não se pode explicar, uma tarde, por acaso, seus olhares se encontraram, e algo mágico aconteceu. Entre as diferenças que os separavam, uma faísca de conexão surgiu, desencadeando um amor improvável, mas poderoso. Cabe ressaltar aqui que suas vidas colidiram em um momento improvável, criando uma conexão que transcendia as barreiras sociais. Apesar das diferenças evidentes em suas origens, uma poderosa atração floresceu entre eles, desafiando as expectativas da sociedade que os cercava. 

    Contudo, o relacionamento entre Mel e Pimenta enfrentou resistência. A maioria das pessoas que viviam na vila, naquela época, estavam imersas em tradições e preconceitos, e viam com desconfiança o casal improvável. A família de Mel, presa à sua reputação, opunha-se categoricamente ao romance, lançando desafios que testariam a força do amor entre os dois jovens (dizem, não posso provar, que até encomendar a morte do rapaz foi cogitado pelo pai). O idílio do jovem casal apaixonado não foi recebido com aceitação pelas pessoas de bem que viviam na vila. Preconceitos enraizados e a rigidez das tradições locais tornaram-se obstáculos formidáveis para o casal. A família de Mel, em particular, via o relacionamento com total desconfiança, temendo que a reputação da família fosse manchada pela união inaceitável. 

    Mesmo diante de preconceitos e impedimentos, Mel e Pimenta escolheram seguir o caminho do coração. Seu amor tornou-se uma chama ardente que desafiava as expectativas e acendia a esperança em meio às adversidades. O jovem, inspirado pela perseverança de sua avó e guiado pelo amor, buscou superar as expectativas negativas. Por outro lado, Mel, que sempre sonhara em quebrar barreiras no campo da medicina, encontrou em seu relacionamento com Pimenta uma oportunidade de desafiar as normas sociais. Juntos, aprenderam a enfrentar os olhares tortos, as palavras maldosas e as barreiras sociais, construindo um refúgio onde podiam ser verdadeiramente eles mesmos. Movidos pelo amor, alimentados pela resiliência e pela determinação, enfrentaram desafios consideráveis. 

    A trajetória de Mel e Pimenta não foi apenas uma história de amor, mas uma narrativa de resistência e superação. Enquanto Mel buscava a realização de seus sonhos acadêmicos, Pimenta encontrava no amor uma força transformadora que o guiava a um caminho mais disciplinado. Enquanto a moça desafiava as expectativas de sua família e comunidade, Pimenta encontrava na paixão por ela uma motivação para canalizar sua rebeldia de maneira mais construtiva. O amor deles, apesar dos obstáculos, tornou-se um exemplo de coragem e resistência. À medida que os anos passavam, a vila testemunhou não apenas um romance improvável, mas uma transformação silenciosa nas mentalidades. Mel e Pimenta, através de seu amor inquebrável, desafiaram as normas sociais e inspiraram uma comunidade a repensar seus preconceitos. 

    Mel e Pimenta, com seu amor resiliente, tornaram-se agentes de mudança, desafiando estereótipos e inspirando outros a questionar as normas sociais. O que começou como uma história improvável na década de 80 se transformou em um legado de coragem e determinação que ecoou pelas gerações seguintes. A história de Mel e Pimenta não foi apenas sobre o amor entre dois corações, mas sobre a capacidade de transcender as barreiras impostas pela sociedade e forjar um caminho próprio. Sua jornada provou que, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras, o amor verdadeiro pode florescer e iluminar os corações mais sombrios. 

    Para ser sincero, não sei o que aconteceu com esse casal depois que me mudei para Cáceres nos anos 90. Nunca mais soube deles e qual foi a trajetória final deles. Tento imaginar uma família bem sucedida com filhos e, quem sabe, até netos nessa altura do campeonato. No entanto, para este que vos conta essa história, o que vale mesmo é saber que o amor pode acontecer em qualquer lugar e situação. O que vale mesmo é viver o amor quando ele acontece na sua intensidade. Só o amor pode vencer preconceitos e tradições. Só o amor pode acender a luz do nosso coração. 

Conto: Odair José, Poeta Cacerense