segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Percalço

    A história que relato aqui pode soar um tanto estranha para a maioria dos leitores que correm os olhos por essas mal traçadas linhas e, pode, também, ser surpreendente para outros. No entanto, a pessoa que contou autorizou-me a relatar os fatos desde que não revelasse a fonte. Logicamente que nunca faria isso.   
 
    Ele conta que passou alguns dias bem ruins e que até pensou que não sobreviveria de tanta dor que sentia. O coração estava estraçalhado e sentia um misto de raiva e compaixão ao mesmo tempo. Conta ele que tinha uma vida tranquila. Havia economizado um dinheirinho e levava uma vida um tanto monótona. Uma vez por semana ele ligava para uma cafetina e ela lhe apresentava uma garota. Ficava com ela, às vezes no quarto oferecido pela cafetina, outras vezes pagava pela saída da garota e a levava para o seu quarto. Tinha suas vantagens e desvantagens, relata ele. Durante algum tempo viveu nessa rotina. Ganhava razoavelmente e poderia se manter assim por muito tempo.  Mas, como ele mesmo afirma, sempre tem um capeta para atrapalhar. E o “capeta” que ele descreve foi uma garota. 
 
    Era uma sexta-feira e ele queria só tomar uma cerveja e descansar. Aceitou o convite de um amigo e foram para o bar da cafetina. Havia por lá algumas garotas que se refrescavam em uma grande bacia azul, enquanto outras conversavam debaixo de uma sombra. Foi então que ele a viu. Era, com certeza, nova naquele local porque não se lembrava de tê-la visto por ali em outras ocasiões.  Ela saiu do banho, trocou de roupa e andou em sua direção. Havia outras meninas ao lado dele, mas o seu olhar ficou vidrado naquela garota. Ela parecia se exibir diante dele. E foi nesse percalço que eles foram apresentados pela dona do local.  
 
    Gal. Esse era o seu nome fantasia dela. Naquele dia eles não ficaram, mas ela não saia da cabeça dele durante os dias que passaram. Decidiu, então, que iria vê-la no próximo final de semana. Ao chegar no local percebeu que não era o único que estava ali por ela. Tinha outros homens que ele não conhecia e pelo movimento da casa pôde perceber que boa parte deles estavam ali por ela. Sentiu uma ponta de ciúmes. Achou que estava ficando louco. Que droga era aquela? Não conseguia pensar direito. Ela ao vê-lo, esboçou um sorriso. Tinha uma boca linda e os lábios estavam coberto de um batom vermelho que destacava sua sensualidade.  Outras garotas foram até ele, mas não queria ficar com nenhuma. Durante algum tempo observou ela se jogando em outros braços e isso o incomodava muito. Resolveu ir embora. Voltaria outro dia.  
 
    Passou o final de semana sem conseguir dormir. Uma angústia tomava conta de sua alma ao fechar os olhos. Em seus pensamentos aparecia aquela garota. Mas, ao mesmo tempo aparecia os outros homens a abraçando e puxando-a para seus braços. Uma cólera corria pelo seu corpo. Na segunda-feira resolveu procurá-la. Imaginou que por se tratar de um início de semana o ambiente estaria com menor movimento. Quanto a isso ele acertou. Final de tarde procurou a cafetina e ela disse que a garota estava dormindo mas que a chamaria. Pensou em não interromper o sono dela, mas não o fez. Queria vê-la de qualquer jeito. Pouco depois ela apareceu. Parecia que tinha sido atropelada por um caminhão. Estava bem abatida e pouco sorria. Sentou-se com ele e começaram a conversar. Ele falou-lhe de tudo que estava sentindo e ela sugeriu que a levasse dali. Ele pagou a saída dela e a levou para casa. Ele conta que ela estava tão cansada que dormiu a noite toda. No outro dia quando ela acordou os dois conversaram e ele propôs a ela tirá-la daquele lugar. Abriu seu coração e disse o quanto ela o havia conquistado. Ela ainda lhe perguntou se tinha certeza do que estava dizendo e ele disse que sim.  
 
    Relata ele, com os olhos cheios de lágrimas, que viveram bem por quase dois meses. Ela parecia estar bem vivendo ao lado dele. Os dois dormiam juntos, assistiam filmes, conversavam, bebiam vinhos e sorriam. Ele estava muito feliz. Aquela garota simplesmente era a razão da sua felicidade. Mas, um dia a tarde, ao chegar do trabalho encontrou a casa trancada. Sentiu um aperto no coração. Teria acontecido alguma coisa? Abriu a porta e entrou dentro de casa. Logo viu a carta sobre a mesinha na cozinha. Com o coração batendo forte sentou-se e abriu a carta. Nela ele encontrou as palavras que dilacerou seu coração. Ela dizia que agradecia muito por tudo que ele tinha feito por ela, sentia por ele um carinho enorme, mas não conseguiria viver essa vida por muito tempo. "Sinto saudades da bagunça do bar, dos homens me procurando, brigando por mim, das músicas e das bebidas. Não posso ser uma dona de casa. Me perdoe".  
 
    Por um instante ele sentiu seu mundo desabar. A dor no coração era tamanha que seus pés tremiam. Uma vontade louca de correr até aquele bar e matá-la. Que mulher desgraçada! Como pode acabar assim com a minha vida?  Conta ele que durante alguns dias não conseguia nem sair de casa. Uma dor tremenda tomava conta de sua alma. Pensava nela o tempo todo. Em seus pensamentos estava aquela garota. Aquela mulher sensual. Aquela prostituta. Aquela puta!  
 
    Essa história muito me comoveu. Em minhas divagações me pergunto se isso é amor? Tenho acompanhado a sua recuperação e vejo o quanto ele a ama. Vejo o seu sofrimento em saber onde ela está, mas não saber com quem ela está. Espero que ele logo se recupere desse infortúnio e encontre uma pessoa menos problemática para viver ao lado dele. Ele é uma boa pessoa.  
 
Conto: Odair José, Poeta e Escritor Cacerense

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