Era fim de tarde na Praia do Daveron quando o céu tingiu-se de dourado e as águas do Paraguai refletiam como um espelho trêmulo os últimos raios do sol. As crianças ainda brincavam entre os barquinhos ancorados, e os casais passeavam despreocupados, sentindo a brisa morna do rio.
Foi então que o silêncio caiu de repente, como uma onda invisível. Um pescador que enrolava suas redes parou com o gesto suspenso no ar. Um cachorro latiu e depois fugiu para trás dos quiosques. Alguém apontou para as dunas de areia úmida, perto da vegetação que avança desde o mato:
— Olha ali...
E lá estava ela.
Uma onça-pintada.
Não corria. Não se escondia. Caminhava com a elegância e o orgulho de quem sempre foi dona da terra. As patas deixavam marcas suaves na areia fina, como se desenhasse o seu nome antigo no chão. Ela olhou para as pessoas com um olhar calmo, quase pensativo. Não havia fome nem ameaça em seu corpo. Havia memória.
Alguns correram, outros apenas recuaram, boquiabertos. Mas ninguém ousou atirar pedras, ninguém gritou. Era como se todos sentissem — no fundo, bem no fundo — que aquele momento não era comum. Era um aviso. Um lembrete.
Dizem os mais velhos que o espírito da onça é o guardião dos caminhos da natureza. Que ela aparece quando os limites entre os mundos se tornam finos como véus. Que ela surge para lembrar que, mesmo na praia do lazer e dos turistas, o antigo ainda respira.
Ela parou diante do rio. Bebeu da água, sem pressa. Depois, com a mesma serenidade, virou-se para o mato e desapareceu entre as árvores como um sussurro.
No dia seguinte, só restaram as pegadas na areia, como se a noite tivesse esculpido um conto que o sol não conseguiu apagar.
E desde então, os moradores dizem que, ao cair da tarde, quando o vento muda e os pássaros se calam, é possível ouvir um leve rosnado vindo das margens. Como se a onça estivesse ali. Observando. Esperando. Lembrando.
Conto: Odair José, Poeta Cacerense